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Ditadura militar permitiu prolongamento da deturpação do Espiritismo, feita até hoje

(Autor: Professor Caviar)

Os chamados "médiuns espíritas" poderiam ter caído no esquecimento há cerca de 45 anos. Oportunidades para desmascará-los nunca faltou, mas a complacência geral, os jogos de interesses e a rendição aos apelos emotivos tentadores fizeram com que a deturpação que manchou de vergonha o trabalho de Allan Kardec seguisse impunemente, com o coitado do pedagogo francês hoje alvo da mais hipócrita bajulação.

Francisco Cândido Xavier teve várias chances de ser desmascarado. Na década de 1930, a armação literária Parnaso de Além-Túmulo recebeu comentário irônico de Humberto de Campos em vida, desqualificando a obra, que mais tarde era revelada por Alceu Amoroso Lima como uma farsa criada pela equipe editorial da FEB (que, num "fogo amigo", foi confirmado pela "médium" chiquista Suely Caldas Schubert com a divulgação de uma carta de Chico a Wantuil de Freitas, presidente da federação). Chico Xavier não teria gostado da resenha e, assim que Humberto morreu, inventou um sonho para forçar o vínculo e a "parceria" oportunista, cujo trabalho ufanista Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, é o maior símbolo, foi feita.

O processo judicial contra Chico Xavier e a FEB foi uma oportunidade para desmascarar o "médium" se tivesse havido maior empenho em denunciar a fraude literária, pois o estilo do suposto espírito de Humberto não se encaixa no estilo que o famoso escritor teria deixado nos trabalhos feito em vida. Em vez do estilo fluente e acessível do autor maranhense, o que se viu foi um estilo que lembra o de um melancólico padre católico de escrita pesada e pedante, terrivelmente igrejeira e moralista.

A FEB encontrou, em 1958, no sobrinho do "médium", Amauri Xavier, um novo obstáculo, e teria se "livrado" do rapaz, pois ele teria morrido em 1961 em circunstâncias misteriosas (precoce demais para quem era apenas viciado em álcool, o que sugere envenenamento) e ainda foi alvo de calúnia justamente da religião que tanto diz reprovar o comentário calunioso. Com isso, o tio do pobre rapaz pôde gozar, mais uma vez, da impunidade.

Veio então a farsa da materialização montada como um espetáculo circense pela suposta médium Otília Diogo, que prometia "trazer" a Irmã Josefa, um médico e um menino. Fotos feitas por um fotógrafo solidário a Chico Xavier, Nedyr Mendes da Rocha, registrou o "médium" todo comunicativo, acompanhando os detalhes da armação, conversando com todo mundo, alegre e atento. Apesar disso, só Otília foi desmascarada e criou-se uma falácia de que "cúmplice não é culpado" e Chico Xavier ficou impune, mais uma vez.

Entre 1969 e 1970, surgiu a denúncia de que o lucro das vendas dos livros "psicografados" por Chico teriam sido usados para enriquecer a cúpula da FEB. Só um tolo acreditaria que o dinheiro ia "para a caridade", não bastasse os aspectos duvidosos que começam a serem divulgados da "caridade espírita". Esperto, Chico Xavier, que sabia desse acordo com Wantuil, fingiu "estar muito triste" e tirou o corpo fora, passando, estrategicamente, a publicar seus livros em outras editoras.

Outra oportunidade veio logo depois, com uma entrevista no programa Pinga Fogo, da TV Tupi, ironicamente uma situação favorável de reabilitação de um "médium" que já era mais do que blindado pela sociedade da época.

Na entrevista, em 1971, Chico Xavier não escondeu suas qualidades sombrias: ranzinza e, por vezes, irônico e sem o menor aspecto de meiguice, ele se demonstrava escancaradamente católico, ideologicamente conservador e, o que é mais surpreendente, defendendo abertamente a ditadura militar e condenando os movimentos sociais com um apetite que hoje se compara, por exemplo, a um eleitor médio que oscila entre Geraldo Alckmin e Jair Bolsonaro.

Chico poderia ter sido desmascarado aí, como um líder religioso reacionário que defendeu a ditadura militar numa época em que uma significativa, ainda que não-majoritária, parcela da direita brasileira já se opunha ao regime militar e pedia a redemocratização do país. Mas o "jeitinho brasileiro" a serviço dos "espíritas" foi logo vender uma imagem falsamente progressista do "médium" e seus similares.

Foi no final da década de 1970, quando, após a crise nos bastidores do "movimento espírita", quando as federações regionais se rebelaram contra os herdeiros de Wantuil, morto em 1974, surgiu a "fase dúbia", oficialmente conhecida como "espiritismo kardecista", no qual o nome de Kardec era apenas usado como bajulação e jogo de aparência, enquanto a herança roustanguista era praticamente mantida sem o nome de J. B. Roustaing. O "kardecismo", na prática, tornou-se um "roustanguismo com Kardec".

A ditadura militar deve ter favorecido a FEB e o "movimento espírita" via, nessa época, ocorrer o auge da carreira de Chico Xavier e a ascensão de Divaldo Franco. E isso se deu por que os dois se tornaram os "salvadores da pátria" num momento de convulsões políticas e crise econômica e institucional? Não.

Os dois vieram como instrumentos da sociedade conservadora politicamente sustentada pela ditadura militar - a maioria das elites que ainda respaldava a "revolução iniciada em 1964" - com um duplo objetivo: neutralizar o ativismo político representado pelo operário Luís Inácio Lula da Silva, mais tarde presidente do Brasil e hoje ameaçado de não concorrer ao referido cargo este ano, e concorrer com os pastores eletrônicos das religiões evangélicas conhecidas como "pentecostais".

E com a ajuda de quem os "médiuns espíritas" passaram a ser considerados "símbolos da bondade e do amor ao próximo"? Dos anjinhos do céu? Não. A ajuda veio da Rede Globo de Televisão que, manipuladora da opinião pública, também não deixaria de manipular no terreno religioso, onde o apelo emocional é tanto que anestesia as pessoas com muita eficiência.

Os "médiuns espíritas" viraram "símbolos de bondade" para que assim a sociedade fique anestesiada e não reivindique melhorias sociais com muita exigência. A imagem catártica do "médium espírita" e dublê de filantropo não traz resultados sociais profundos, mas a campanha em torno deles dá essa falsa impressão, de tal maneira que muitos acreditam que a sociedade "se transformou" mesmo quando nada de muito efetivo foi realizado.

Essa campanha da Globo que endeusou Chico Xavier e Divaldo Franco para a posteridade não é muito diferente do que se faz hoje com Luciano Huck, que já admitiu ser fã, pelo menos, do primeiro. Essa "caridade" feita para impressionar o público, sem que haja resultados sociais profundos - a miséria nunca foi resolvida com profundidade e até piorou - e alimentar a idolatria religiosa (um dos mais levianos e perigosos processos de adoração existentes na humanidade) foram um artifício que fez com que a deturpação do Espiritismo se efetivasse.

A Globo, que apoiou a ditadura militar, foi artífice na promoção de idolatria religiosa através dos "médiuns espíritas", que desenvolviam um "catolicismo à paisana", pretensamente ecumênico, supostamente simpático aos ateus e esquerdistas, que eram seduzidos por esse canto de sereia da suposta filantropia, do pretenso pacifismo e do falso amor que mais parece um "amor-daçar", apelando para os sofredores suportarem calados as desgraças. Este apelo, tão típico de Chico Xavier, estava bem de acordo com o que queriam os militares da ditadura militar.

Afinal, se Chico Xavier via nos militares os construtores do "Reino de Amor" do Brasil futuro, os militares poderiam muito bem ver no "médium" uma espécie de "AI-5 com amor", um ídolo religioso que estimulasse as pessoas a se conformarem com os retrocessos sociais, econômicos e políticos em andamento. A deturpação do Espiritismo deu certo numa sociedade conservadora como o Brasil.

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