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Justiça aceitou suposta psicografia de Chico Xavier para resolver tragédia em 1976

(Autor: Professor Caviar)

Não bastasse o suposto médium Francisco Cândido Xavier ter sido beneficiado pela famosa seletividade da Justiça, sendo inocentado, por empate jurídico, do caso da apropriação do nome do falecido escritor Humberto de Campos, ele acabou também virando um pretenso colaborador da Justiça policialesca que, ao arrepio da Ciência Espírita, aceitou uma carta supostamente mediúnica para inocentar um acusado de crime, num episódio que ficou muito famoso na segunda metade da década de 1970.

Havia dois jovens amigos, José Divino Nunes e Maurício Garcez Henrique, que tinham um excelente convívio. De repente, os dois estavam na casa de José, no bairro Campinas, em Goiânia. Na sala, Maurício pegou o revólver da pasta do pai de José e, descarregando as balas do cartucho, de brincadeira apontou o revólver para o amigo, que logo disse para deixar a arma. Pegou o objeto das mãos de Maurício, que foi para a cozinha pegar cigarros, enquanto José, com a arma na mão, tentava mexer o dial do rádio para mudar de estação. De repente, uma bala ainda estava alojada no revólver e ele, apontado para a cozinha, deu um único disparo, atingindo Maurício, que saiu gravemente ferido, falecendo pouco depois.

José Divino Nunes foi detido, acusado de assassinato. O caso foi registrado na 6ª Vara Criminal de Goiânia, e o próprio acusado foi convidado a depor. José Divino alegou inocência e não apresentou contradições no seu depoimento, jurando que o homicídio foi culposo e motivado por um disparo acidental de arma.

A primeira carta supostamente psicográfica foi lançada por Chico Xavier em 27 de maio de 1978, dois anos após o homicídio culposo, e segue o mesmo estilo igrejeiro das supostas cartas mediúnicas divulgadas por ele, expressando a mesma mensagem e o mesmo enunciado, geralmente apelando para o "querida mamãe", "querido papai" ou coisa parecida.

Querida Mamãe, meu querido pai, querida Maria José e querida Nádia.

Estou em oração, pedindo para nós a benção de Deus. Não posso escrever muito; venho até aqui, com meu avô Henrique, só para lhes pedir resignação e coragem.

Peço-lhes não recordar a minha volta para cá, criando pensamentos tristes. O José Divino e nem ninguém teve culpa em meu caso. Brincávamos a respeito da possibilidade de se ferir alguém, pela imagem no espelho; sem que o momento fosse para qualquer movimento meu, o tiro me alcançou, sem que a culpa fosse do amigo, ou minha mesmo. O resultado foi aquele. Hospitalização de emergência, para deixar o corpo longe de casa.

Se alguém deve pedir perdão, sou eu, porque não devia ter admitido brincar, ao invés de estudar.
Mas meu avô e outros amigos me socorreram e fui levado para Anápolis, para ser tratado por uma enfermeira que dirige uma escola de fé e amor ao próximo, que nos diz ser a irmã Terezona, amiga das crianças.

Soube que ela conhece meu avô e nossa família, sendo agora uma benfeitora, que preciso agradecer e mencionar.

Quanto ao mais, rogo à Nádia e à Maria José, minhas queridas irmãs, para não reclamarem e nem se ressentirem contra ninguém. Estou vivo e com muita vontade de melhorar.

Queridos pais, tudo acontece para o nosso bem e creio que seria pior para mim se houvesse enveredado pelos becos dos tóxicos, dos quais muita pouca gente consegue voltar sem graves perdas do espírito.

Estou com saudades, mas estou encarando a situação com fé em Deus e com a certeza de um futuro melhor.

Recebam, querido papai e querida mamãe, com as nossas queridas Nádia e Maria José, e com todos os nossos, um abraço de muito carinho e respeito, do filho que lhes pede perdão pelos contratempos havidos.

Prometendo melhorar, para faze-los tão felizes quando eu puder, sou o filho e o irmão saudoso e agradecido,

Maurício Garcez Henrique.

 "LEITURA FRIA" E CALIGRAFIA PESSOAL DO "MÉDIUM"

Outros aspectos irregulares da suposta psicografia indicam que as informações contidas em nada acrescentaram ao depoimento prévio de José Divino e há também informações colhidas em frequentes visitas dos familiares de Maurício a Uberaba, para consultar o "médium", através do processo da "leitura fria" e também de pesquisas em jornais e outras publicações.

As visitas foram noticiadas no livro Lealdade, organizado em 1982 por Hércio Marcos Cintra Arantes e atualmente editada pela IDE, uma das editoras igrejistas do "movimento espírita". Hércio havia organizado relatos de Chico Xavier e as supostas mensagens atribuídas ao espírito Maurício Garcez Henrique.

Numa comparação entre o trecho final da carta e a carteira de identidade do falecido rapaz, nota-se que a caligrafia da "psicografia" é toda de Chico Xavier, inclusive a assinatura atribuída ao espírito. Houve quem visse semelhança nas duas assinaturas, mas elas nem de longe se parecem, havendo um estilo muito diferente de desenho de cada letra, como observamos nessa imagem em detalhe, onde a "assinatura do portador" corresponde à caligrafia que Maurício Garcez teve em vida.

O caso nem precisava de Chico Xavier, que pegou carona no episódio, em supostas psicografias de 1978 e 1979, que só serviram para alimentar o fanatismo religioso e o sensacionalismo jornalístico. A atitude do "médium" foi um prato cheio para o apetite sobrenatural da imprensa marrom, com a qual Chico Xavier estabeleceu uma relação de recíproca cordialidade.

Era óbvio que José Divino era inocente, conforme tantos e tantos relatos dele e de familiares que em nenhum momento apresentaram contradição. O que ocorreu foi que o tiro foi acidental e por isso o acusado foi absolvido, e mesmo tendo sido ele a única testemunha do fato, a narrativa dada por ele possui sentido, uma vez que não foram identificados antecedentes que indicassem algum desejo de vingança ou alguma séria animosidade entre os dois amigos.

O juiz da 6ª Vara Criminal na época, Orimar de Bastos, que viu "autenticidade" na assinatura "espiritual" - ele não prestou atenção no estilo de caligrafia, que está mais para a grafia pessoal do "médium" - , em atitude contrária à Ciência Espírita, por aceitar sem verificação cautelosa uma suposta psicografia, afirmou, rendido às paixões religiosas:

"Temos que dar credibilidade à mensagem psicografada por Francisco Cândido Xavier, anexada aos autos, onde a vítima relata o fato e isenta de culpa o acusado, discorrendo sobre as brincadeiras com o revólver e o disparo da arma. Coaduna este relato com as declarações prestadas por José Divino, quando do seu interrogatório".

Portanto, Chico Xavier apenas se intrometeu no caso, querendo se promover às custas dele. Saiu beneficiado pelo contexto social em que as pessoas aderem facilmente a um ídolo religioso. E, na época em que o "médium" começava a ser blindado pela poderosa Rede Globo de Televisão, o caso ainda foi reforçado pela combinação do sobrenatural com o pitoresco, do sensacional com o piegas que, no Brasil ainda sob o poder da ditadura militar, exercia uma força descomunal sobre o inconsciente das pessoas.

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