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Grande mídia, religião e construção de mitos

(Autor: Senhor dos Anéis)

A grande mídia, a depender da influência que faz aos brasileiros, parece estar dotada de poderes divinos. A fabricação de consenso chega mesmo a dar a impressão às pessoas de que tudo é natural, e que a grande mídia não faz mais do que representar o inconsciente coletivo do povo brasileiro.

Não é a mídia que se submete ao inconsciente do povo. É o inverso. E, anteontem, quando o ator Nelson Xavier, que interpretou o "médium" Francisco Cândido Xavier, faleceu de câncer, aos 75 anos, no mesmo dia do depoimento do ex-presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, à Operação Lava Jato, estão em jogo dois mitos inversamente trabalhados pelo poder midiático da Rede Globo, que parece querer substituir as consciências das pessoas.

Assim como Nelson Xavier foi marcado por interpretar Chico Xavier - a ponto de ter divulgado um desejo de que, quando fosse enterrado, usasse o paletó que o "médium" deu de presente ao ator - , temos o ator Ary Fontoura, no filme Polícia Federal - A Lei é Para Todos, sobre a Operação Lava Jato, fazendo papel do ex-presidente Lula. O filme tem lançamento previsto para julho deste ano.

Os brasileiros médios, que assistem constantemente à televisão e possuem formação ideológica mais ou menos conservadora, estão acostumados à imagem oficial de certos mitos, de forma que eles gozam de aparente unanimidade, mesmo quando apresentam irregularidades nas qualidades a eles atribuídas.

Isso é assim tanto com Chico Xavier, "santificado" ao extremo, como uma Madre Teresa de Calcutá brasileira - um mito construído de maneira semelhante lá fora - , como Lula, "demonizado" ao extremo. Mitos construídos pelo persuasivo discurso midiático que força a prevalência de abordagens que nem sempre correspondem à realidade.

Aparentemente, quase ninguém percebe que Chico Xavier foi um deturpador muito grave da Doutrina Espírita, desfigurando e distorcendo o legado trabalhosamente desenvolvido por Allan Kardec ao sabor de devaneios igrejistas, moralistas e até materialistas (a concepção das "colônias espirituais" é um claro exemplo disso). 

Ao "médium" também pesam denúncias de que suas supostas psicografias não passam de obras fake - pioneiros dos textos apócrifos que se produzem na Internet - e que outras práticas, como supostos rituais de materialização, teriam sido fraudulentas e contavam com o acompanhamento ativo do próprio Chico Xavier, que ainda assinava "autenticando" tais embustes.

Sobre os fakes supostamente psicográficos, observam-se irregularidades graves nas obras atribuídas a espíritos do além, famosos ou não. Humberto de Campos, Auta de Souza, Casimiro de Abreu, Olavo Bilac e Jair Presente, entre tantos e tantos outros, apresentam problemas sérios de estilo pessoal e frequentemente seus textos demonstram o pensamento e o estilo pessoal do "médium".

As pessoas se esqueceram disso e a visão mais persistente é que Chico Xavier é um "santo" e um homem que "fez muita caridade". Tais qualidades são muito duvidosas, até porque, se a "caridade" de Xavier tivesse sido verdadeira, com a projeção e o carisma que ele acumulou nos últimos anos, o Brasil teria alcançado um padrão escandinavo de vida. No ano do centenário de Chico Xavier, sua querida Uberaba foi rebaixada de 104° para 210° lugar em Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.

O mito de Chico Xavier como "símbolo máximo da caridade" é falso e foi criado pela Rede Globo de Televisão no final dos anos 1970 para concorrer com a ascensão dos "pastores midiáticos" R. R. Soares e Edir Macedo. É certo que o mito de "filantropo" atribuído a Chico Xavier é bem antigo, mas foi a Globo que trabalhou o mito de forma mais organizada, sem as confusões e o apelo sensacionalista de Antônio Wantuil de Freitas, antigo presidente da FEB e descobridor do "médium".

Quem prestar melhor atenção sabe que o mito de Chico Xavier contém ingredientes apelativos que analistas conceituados do Primeiro Mundo já definem como tendenciosos e manipuladores da opinião pública: o Ad Passiones (apelo à emoção) e o Assistencialismo (caridade paliativa).

Os dois apelos discursivos ainda são vistos, pela maior parte dos brasileiros, como atitudes "positivas" e dotadas de "valor moral elevado". Mas não é isso que análises diversas demonstram, lá fora, sobretudo alertando que o mundo capitalista nunca trouxe benefícios explorando intensamente essas duas estratégias de convencimento.

O Ad Passiones, discurso que apela para a exploração excessiva da emoção (como, no caso do "espiritismo", abusar das evocações de "amor" e "caridade" e mostrar imagens de crianças sorrindo ou desenhos de corações), é definido como um tipo de falácia, que é a veiculação de uma ideia falsa como se fosse uma "verdade indiscutível".

O Ad Passiones virou moda com o fenômeno da pós-verdade, que, de maneira inesperada e motivada mais pelos apelos emocionais do que pela realidade objetiva, causou vitórias surreais em vários países. Nos EUA, a inesperada vitória de Donald Trump e, no Reino Unido, da proposta de saída da monarquia europeia da União Europeia, revelam o triunfo da pós-verdade, que também influiu no Brasil, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

O Assistencialismo, por sua vez, é uma caridade parcial, que apenas atende casos pontuais, sem romper profundamente com as injustiças sociais e sem representar a emancipação plena das populações carentes. Diferente da Assistência Social (que encara injustiças sociais de frente, não raro ameaçando os privilégios das elites), o Assistencialismo traz poucos benefícios e serve mais para expor o "benfeitor" em prol de sua promoção pessoal.

O "espiritismo" brasileiro diz fazer Assistência Social e alega que sua "caridade" é "transformadora". Mas a prática não revela isso, até porque, pela importância que se dá a esta religião, o Brasil teria se tornado um país melhor e não pior como está hoje, com a degradação do mercado de trabalho e outros retrocessos virando leis, estrangulando recursos públicos e empobrecendo e desgastando as forças das classes trabalhadoras.

A Mansão do Caminho é um exemplo disso. E com o apoio do poder midiático da Globo. Em reportagem do Fantástico, festejou-se demais a "caridade" de Divaldo Franco, tido como "maior filantropo do Brasil" por ajudar, tão somente, menos de 1% da população da cidade de Salvador. Em índices nacionais, o dado se torna até risível. É festa demais para pouca caridade, mostrando o quanto o Assistencialismo serve mais para a promoção pessoal dos "médiuns" brasileiros.

Tanto o Ad Passiones quanto o Assistencialismo são apelos tendenciosos que promovem o "espiritismo" para pôr a deturpação debaixo do tapete. O excesso de alusões ao amor, em palestras, visitas, mensagens, textos etc, confortam e tranquilizam muitos, mas se trata de um apelo perigoso, traiçoeiro, que garante a aceitação dos deturpadores que "vaticanizaram" o Espiritismo até quando se cogita a recuperação das bases doutrinárias.

Se o "espiritismo" representa o Ad Passiones nas excessivas citações de "amor" e "fraternidade", essa representação, quanto ao Assistencialismo, se dá nas supostas evocações de "caridade" e "bondade". São apelos que, no discurso, parecem belos e fascinantes, mas cujos efeitos são extremamente inexpressivos e não legitimam de forma alguma o "espiritismo" brasileiro, que continua devendo responsabilidade pelas traições que fez aos postulados de Allan Kardec.

E todas essas armadilhas as pessoas não percebem porque as "boas emoções" são a camuflagem perfeita para qualquer apelo religioso. A Rede Globo tem consultores de Psicologia dos mais habilidosos e a parceria com a ex-inimiga FEB tornou-se um casamento feliz, fazendo o povo se distrair com a visão adocicada do deturpador Chico Xavier, enquanto lincha figuras que realmente ajudaram o próximo como Lula.

As pessoas são manipuladas pelo moralismo conservador, pelo reacionarismo político e pelas paixões religiosas. Constroem para si uma realidade que se revela, na verdade, irreal e sem lógica, e, no caso do "espiritismo" brasileiro, deixaram crescer a reputação de um gravíssimo deturpador da Doutrina Espírita, um mineiro que arruinou o legado kardeciano e criou obras fake de supostos espíritos do além, para depois virar o "santo absoluto" devido às seduções maliciosas das paixões religiosas.

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