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O medo de chiquistas de ver Chico Xavier desmascarado em seus livros

(Autor: Professor Caviar)

Uma grande vantagem a infância traz aos adultos. Quando as crianças são advertidas da irrealidade de seus mitos e ídolos, elas choram, se decepcionam e até se sentem chocadas. Com o tempo, porém, elas caem na real e veem o antigo deslumbramento como coisa passada.

Na vida adulta, porém, pessoas são capazes de, em casos extremos, mover tanques e tropas de exército para proteger suas fantasias, condenando aqueles que o advertem contra tais crenças com um banho de sangue de crueldade imensurável. Mas, quando isso não chega a acontecer, abandonar as fantasias é uma tarefa muito mais fácil na infância no que na fase adulta.

No "espiritismo", doutrina que oferece uma retórica de "belas palavras" e "lindas estórias", como se fossem contos de fadas para gente adulta e, sobretudo, idosa, há todo um rol de dissimulações e fingimentos, porque a doutrina igrejeira brasileira, apenas vinculada a Allan Kardec por uma mera formalidade, sempre foi medida pela contradição, pela pretensão e pelo medo.

E é esse medo de ver caírem as fantasias religiosas em torno dos ídolos "espíritas" que fazem com que seus adeptos adotem posturas que seguem a linha do "deixa pra lá". Daí ver os critérios estranhos adotados para evitar que se identifiquem irregularidades que desqualifiquem as supostas psicografias do anti-médium brasileiro.

Um exemplo disso tudo é a postura "cheia de dedos" do acadêmico Alexandre Caroli Rocha, que parece ser "imparcial" no que se refere às controvérsias de Francisco Cândido Xavier e no entanto acaba se esforçando para não pôr em xeque a "magia" de suas "obras do além".

No texto "Complicações de uma estranha autoria", na revista Ipotesi, da Universidade Federal de Juiz de Fora - onde tem um verdadeiro fã-clube de Chico Xavier, no Núcleo de Pesquisas em Saúde e Espiritualidade (NUPES/UFJF), comandado por Alexander Moreira-Almeida - , Caroli Rocha escreve sua correspondente conclusão, depois de descrever um histórico de polêmicas famosas sobre a suposta psicografia do anti-médium mineiro:

"Este estudo permite a identificação de pontos importantes suscitados pela configuração autoral sustentada por Chico Xavier e por seus editores, segundo a qual o médium é o autor empírico, mas não o autor intelectual dos textos. Vimos que não é pertinente a pressuposição de que, por meio apenas de fatores textuais, seja possível autenticar ou refutar a alegação do médium. Mostramos que os textos colocam à tona a discussão a respeito do post-mortem, tema que, nos ambientes acadêmicos, costuma ser relegado a domínios metafísicos ou religiosos. Concluímos, pois, que os veredictos taxativos para a identificação do autor são possíveis somente com a assunção de uma determinada teoria sobre o post-mortem ou sobre o fenômeno mediúnico. Quando, no debate autoral, ignora-se a relação entre teoria e texto, percebemos que a apreensão deste é bastante escorregadia, mesmo entre leitores especialistas".

A conclusão do trabalho de Caroli Rocha pode ser até academicamente correta, mas é bastante infeliz. Além disso, escorregadia e taxativa parece ser a conclusão do autor, que parece consentir com a tese de que Chico Xavier é "autor empírico" e não "autor intelectual" dos textos.

Caroli Rocha segue uma metodologia viciada de abordagem dos fenômenos, muito comum nas elites intelectuais, em que fatos são apenas descritos, como se monografias e artigos se limitassem a ser um agrupamento de citações. É uma corrente dominante nas universidades brasileiras e se estende até em intelectuais culturais que fazem apologia à bregalização da cultura popular, em que a análise evita qualquer questionamento, criando uma abordagem "limpa" e supostamente objetiva, para a qual qualquer contestação ao "estabelecido" soa como uma "adjetivação".

Isso significa que, dentro desse contexto, Caroli se limita apenas a descrever as polêmicas em torno de Chico Xavier, e ele mesmo se torna pretensioso ao afirmar que "no debate autoral, ignora-se a relação entre teoria e texto" ou que a apreensão é "escorregadia, mesmo entre leitores especialistas". Caroli ignorou que ele mesmo foi escorregadio em sua "neutralidade", patinando no gélido assoalho das polêmicas descritas e nunca devidamente questionadas.

Ele tenta apelar para um recurso que o próprio "movimento espírita" recusa-se a fazer. Já que Caroli rejeita a iluminação simples do questionamento pelo nível textual - Caroli ignora que o texto é uma expressão da personalidade humana, e que a base teórica utilizada é a estilística, algo que não é fácil de fazer, a não ser para quem é culto o suficiente para diagnosticar as diferentes expressões literárias dos autores estudados.

A base teórica é o estilo e a comparação com a biografia. Analisamos os textos supostamente mediúnicos confrontando com os aspectos pessoais dos autores espirituais alegados, e as irregularidades identificadas são suficientes para rejeitar a hipótese de veracidade. Ou teríamos que fingir que a queda de qualidade das obras "espirituais" - que só parecem idênticas aos originais a uma primeira vista, mas, relendo os textos, esta impressão se dissolve - foi por causa da "linguagem universal do amor".

Vejamos. Outro autor com o mesmo medo de Caroli, Jorge Caetano Júnior, que não se declara "espírita" mas "umbandista", se queixa que os questionamentos em torno de Chico Xavier "carecem de base teórica", e ele, tão convicto da "autenticidade" de Parnaso de Além-Túmulo, ele trouxe como "provas" apenas a reprodução de duas estrofes cada nas comparações entre o poema "Saudades", de Casimiro de Abreu, e o suposto poema espiritual atribuído ao poeta ultrarromântico, "A Terra".

Ele declarou que as semelhanças eram "impressionantes" e tentou um argumento verossímil para sua constatação, através dos seguintes parágrafos, aqui reproduzidos:

"Definitivamente não basta a composição em redondilha maior para se atingir o grau de musicalidade de ambos os poemas. Ele decorre também da seleção e da combinação  vocabular, do esquema de rimas, da quantidade de versos nas estrofes. Comparem-se essas características entre os dois poemas.

No plano semântico, cabe destaque para a oscilação entre sentimentos de melancolia e de alegria; para as sinestesias expressando estados de espíritos semelhantes: “Também há dias dourados /  De sol e de melodias” e “Como é doce o meditar / Quando as estrelas cintilam”; para as adjetivações que também expressam impressões semelhantes, tudo emergindo da subjetividade e da afetividade do autor. Somente com enorme má vontade não se percebe a mesma autoria nos dois trechos.

A comparação serve, então, para demonstrar concretamente que, ao contrário do que afirmam em abstrato os críticos modernos, a semelhança entre os poemas que compõem Parnaso e os dos autores quando em vida não é uma mera semelhança de pastiche. É algo que transcende enormemente a possibilidade de uma cópia de estilo, de um decalque, como costuma acontecer no pastiche tradicional. Arrisco dizer, sem intenção de trocadilhos bizarros, que se trata de uma semelhança de alma. E essa mesma semelhança pude encontrar no caso de todos os autores cuja obra conheço".

Certo. Mas ele só reproduziu os poemas em questão nas duas estrofes. Quando fomos conferir o poema "A Terra", atribuído ao espírito do poeta ultrarromântico, na tentativa de conferir se o autor, com seus apelos, tinha razão em seus argumentos, esbarramos no seguinte trecho contido na s duas últimas linhas da penúltima estrofe:

"Quem vive num éden desses, 
É sempre risonho e forte, 
Jamais almeja que a morte 
Na vida o venha tragar; 
Sabe encontrar a ventura 
Nesse jardim de pujanças, 
E enche-se de esperanças 
Para sofrer e lutar"

Essa estrofe, principalmente as duas últimas linhas, revelam o pensamento pessoal de Chico Xavier, um beato católico que era devoto da Teologia do Sofrimento. Os chiquistas irão protestar porque nunca ouviram de Chico falar em Teologia do Sofrimento, eles que acreditam que o suposto médium era "progressista" e "propagandista do otimismo e da esperança".

Mas a Teologia do Sofrimento não foi citada por Chico Xavier por seu rótulo, pelo menos é o que sabemos. Só que é preciso ver o conteúdo das frases e aqui temos uma frase que revela a defesa desta corrente medieval da Igreja Católica por Chico Xavier, em suas próprias frases. A Teologia do Sofrimento não aparece como significante (o nome em si), mas no seu significado:

"Precisamos aprender a sofrer sem mostrar sofrimento, atravessar dificuldade sem passar na pauta dos outros... Estamos matriculados na prova; vamos ver qual será a nota".

A título de comparação, Madre Teresa de Calcutá, à qual muitos comparam Chico Xavier - até porque o mito deste foi retrabalhado pela parceria Rede Globo e FEB com base num documentário inglês sobre a "santa" - defendia a "cultura do sofrimento" dizia que o mundo "ganhava com o sofrimento dos pobres".

Os próprios católicos tentam desmentir a crueldade da Teologia do Sofrimento. Alegam que o sofrimento é apenas um "desafio" na vida humana. Mas a glamourização das desgraças humanas é explícita e se fortalece ainda mais no moralismo "espírita", quando a essa ideologia se soma o pretexto de existir a vida espiritual e a reencarnação, que, num entendimento equivocado, servem para que se aceite desperdiçar cerca de duas encarnações com uma coleção de desgraças que, de tanto abaterem a alma com frustrações, impasses, sobressaltos e outros infortúnios, não podem ser vistos como "desafios" nem "aprendizados".

Se os versos do suposto Casimiro de Abreu mostram um ponto de vista próprio de Chico Xavier, e isso não dá para escapar, é muito difícil aceitar que o poeta ultrarromântico possa expressar esse ponto de vista de "esperança pelo sofrimento". Mesmo quando se admite que um espírito mude e revise suas posições no além-túmulo, é leviano admitir que o espírito se torne igrejista e marcado pela religiosidade que, sabemos, se fundamenta no Catolicismo medieval, base ideológica do "espiritismo" brasileiro.

Além disso, os partidários de Chico Xavier, como o próprio Jorge Caetano Júnior, apelam para uma visão muito subjetiva. Querendo defender seu ídolo religioso, preferem acreditar ser "ótimo" que os supostos autores espirituais "pensem como Chico Xavier", usando como desculpa a suposta superioridade do seu ídolo, que lhes permite acreditar na tese de que sua linha de pensamento é "universal".

Isso não procede. Chico Xavier tinha uma ideologia bastante conservadora. Ele defendeu a ditadura militar nos seus piores momentos. Seu moralismo era retrógrado, até pelas origens sociais dele. Por isso é incoerente supor que todos "pensaríamos como Chico Xavier" assim que migrarmos para o mundo espiritual. E a natureza de Casimiro de Abreu permite dizer que isto não faz sentido.

Um dos principais ícones do ultrarromantismo brasileiro, Casimiro de Abreu não via o sofrimento de maneira positiva, mas como uma tristeza que, quando muito, só inspirava a expressão poética. Isso nem de longe pode ser visto como um "proveito positivo" do sofrimento humano, porque não é o sofrimento em si que progride as pessoas, mas a reação a ele, geralmente adversa, que estimula o progresso humano.

Casimiro nunca escreveria versos como "ter esperança de sofrer e lutar". Isso não fez parte de seu legado poético e é pouco provável que viesse a ser. Os versos em questão refletem, isso sim, o pensamento pessoal de Chico Xavier e isso envergonha aqueles que o idolatram, que ficam com medo de ver seu mito ruir como uma estátua sendo abatida por uma bola de chumbo.

Daí que eles preferem o medo, o "deixa pra lá porque é tudo bondade", como se a bondade pudesse ser amiga da fraude e da mistificação. E, só para dizerem que "têm razão", dão uma roupagem "científica" a seus argumentos, como se eles defendessem o esclarecimento e o raciocínio. E defendem logo Chico Xavier, um ídolo religioso que sempre condenou o raciocínio investigativo e questionador"!...

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