(Autor: Professor Caviar)
Se falará muito da chamada "fase dúbia" ou "tendência dúbia" do "movimento espírita" brasileiro, vigente desde meados dos anos 1970, que acentuou e agravou as contradições da doutrina igrejista brasileira, que não convenceu na sua simulação de recuperação das bases doutrinárias originais.
A corrente do "movimento espírita" que se ascendeu desde a crise da cúpula da FEB, quando um de seus membros, Luciano dos Anjos, ligado a Antônio Wantuil de Freitas, denunciou que Divaldo Pereira Franco havia plagiado Francisco Cândido Xavier nos seus primeiros trabalhos "psicográficos".
Isso criou uma crise institucional muito grande, quase sacrificou a amizade entre Chico Xavier e Divaldo Franco - dizem que eles ficaram um tempo sem falar, mas há também quem desminta isso - , e, depois da aposentadoria e do posterior falecimento de Wantuil, a cúpula da FEB entrou em divergência com os grupos regionalistas.
É claro que existe o lado roustanguista, pois Jean-Baptiste Roustaing simbolizava a alta cúpula da FEB. Os regionalistas, prejudicados pelo poder centralizado da FEB, que não dava voz às federações regionais, resolveram renegar Roustaing já no começo da crise, com as primeiras denúncias de Luciano divulgadas já no começo dos anos 1960, reagindo com supostas psicografias ou psicofonias atribuídas a Adolfo Bezerra de Menezes, um dos ídolos "espíritas" e ex-presidente da FEB, se dizendo "arrependido" com a opção roustanguista e pedindo aos "espíritas" para "se kardequizarem".
Isso dá uma senha, afinal a evocação de Allan Kardec não foi mais do que uma formalidade. Afinal, "kardequizar" soa uma corruptela de "catequizar", que era o método pedagógico de proselitismo religioso dos jesuítas. Um dos padres jesuítas, o Manuel da Nóbrega conhecido dos livros de História do Brasil, reapareceu no "espiritismo" na forma fantasmagórica de Emmanuel. Daí que a evocação de Allan Kardec não foi mais do que uma formalidade para ocultar o igrejismo, se contrapondo ao "partido roustanguista" que se tornou o poder centralizador da FEB.
Mas há o outro lado da moeda, o outro aspecto desse jogo de interesses que desenhou as bases do "espiritismo" que predomina as últimas quatro décadas. É a pressão dos espíritas autênticos, de corrente "científica", contra as deturpações feitas pela FEB. Nomes respeitáveis como José Herculano Pires, Deolindo Amorim, Carlos Imbassahy, o pai, e outros também contribuíram para o agravamento da crise interna da FEB.
Se, por um lado, os "místicos" se racharam com os centralistas da FEB isolados diante da ruptura formal dos regionalistas - grupo que contou com a adesão de Chico Xavier e Divaldo Franco, pelo fato de serem mineiro e baiano, respectivamente, fora do "raio de influência" do poder central da FEB, que, apesar da sede original no Rio de Janeiro e posterior em Brasília, só abria espaço à FEESP, federação regional paulista, como voz influente - , por outro, os "místicos" do grupo regionalista tentaram mudar para agradar os "científicos".
Foi aí que veio a "tendência dúbia" ou "fase dúbia". Um falso equilíbrio entre "místicos" e "científicos", com o claro privilégio aos primeiros. Uma corrente despojada do poder central da FEB, que prometia recuperar as bases doutrinárias originais de Allan Kardec, mas continuou praticando, até com maior entusiasmo, o igrejismo.
Como de praxe em muitas coisas no Brasil, tratou-se de mais um fenômeno em que o "novo" e o "velho" coexistiam não em equilíbrio, mas em promíscua contradição. É aquele velho cacoete de se moldar conforme as conveniências: o "movimento espírita", já na sua "fase dúbia", corrente que se tornou a mais popular, poderia ser mais "kardeciano" e mais "igrejeiro" conforme a situação.
Desse modo, buscava-se agradar as pressões de Herculano Pires e similares. A "fase dúbia" se autoproclamou até "kardecista", um termo que se tornou desgastado, já que a referência a Kardec era puramente formal e vinculada a conceitos igrejistas que o próprio pedagogo francês reprovaria sem hesitar.
Pior: os "dúbios" acabaram também se autoproclamando "espíritas autênticos", termo que chegou a ser criticado por Carlos Imbassahy, o pai, por ver que esta corrente do "movimento espírita" ainda se apegava a conceitos igrejistas.
A "fase dúbia" já começava a trocar, no que se refere à mídia de apoio, a TV Tupi, já em processo de falência - influência das "energias" de Chico Xavier? - pela Rede Globo, que deu de presente um mito reciclado de Chico Xavier, moldado conforme o roteiro de Malcolm Muggeridge que transformou Madre Teresa de Calcutá em "símbolo da caridade", fazendo o mesmo com o "médium" mineiro.
E aí se pergunta se a "fase dúbia" não seria uma Contra-Reforma, uma maneira dos "místicos" aproveitarem seu desvínculo com o poder central da FEB para também neutralizarem a força dos "científicos", e fazer um jogo duplo criando um "roustanguismo sem Roustaing" e um "kardecismo com Chico Xavier". Responde-se que a "fase dúbia" é uma maneira de se evitar a Reforma Espírita dos "científicos": os "místicos" dissidentes se declaravam "científicos" para evitar que os "científicos" se ascendessem e tomassem as rédeas do "movimento espírita".
Esse jogo de contradições forjou um "espiritismo" falsamente intelectualizado, com evocações tendenciosas a assuntos e personalidades científicos - de maneira mais frequente que antes, quando, mesmo em livros de Chico Xavier, se enfatizava mais o igrejismo - e temas como a Ufologia e as transformações político-geológicas eram aproveitadas de maneira oportunista, como no caso das supostas profecias da "data-limite".
Mas toda essa fachada "intelectual" e "científica" só serviu para sustentar o igrejismo, e o que se viu foi o impedimento da verdadeira recuperação das bases kardecianas. O vínculo, tendencioso e hipócrita, dos ídolos igrejistas da "mediunidade" brasileira, ao prestígio original de Allan Kardec, apenas foi uma forma de se evitar que o Espiritismo original francês se propagasse, continuando na mesma situação de desprezo que recebia desde os tempos do roustanguismo mais assumido.
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