(Autor: Professor Caviar)
O "espiritismo" brasileiro, sabemos, está cada vez mais distante de Allan Kardec, até mais do que quando se assumia adepto de Jean-Baptiste Roustaing. Isso porque a fachada "kardecista" - nome rejeitado pelos espíritas autênticos, porque soa pejorativo e hipócrita, preferindo os adeptos dos postulados originais se definirem como "kardecianos" - não conseguiu disfarçar a essência igrejeira que se acentuou tanto através do catolicismo informal mas bastante ortodoxo de Francisco Cândido Xavier quanto pela pieguice e o moralismo dos livros "mediúnicos" diversos.
O que se nota é que o "espiritismo" no Brasil abandonou o cientificismo de Kardec. Não adiante fingir, puxar o saco de cientistas, falar em filosofia, se comportar com alegria infantil dizendo que "adora ciência" e fingir que é intelectualizado diante de colunistas sociais porque o conteúdo e a prática revelam, entre os "espíritas" brasileiros, uma ortodoxia católica escancarada, como se o "espiritismo" tivesse aproveitado o velho espólio do Catolicismo medieval português que a própria Igreja Católica havia descartado.
Não dá para fingir que os "espíritas" brasileiros expressam "fidelidade absoluta" e "respeito rigoroso" à obra de Allan Kardec se praticam o igrejismo extremo, exaltando deturpadores cuja obra é uma afronta grave ao legado kardeciano, lançando conceitos extremamente opostos aos que foram trazidos pelo pedagogo francês.
Exaltar Chico Xavier e Divaldo Franco é suficiente para contrariar as bases doutrinárias kardecianas. Além de dois deturpadores gravíssimos da Doutrina Espírita, Chico e Divaldo estão ainda associados à corrupção da função de "médium", maculada pelo "culto à personalidade" inserida nessa qualidade, e muito mal disfarçada por uma "bondade" feita mais para impressionar as massas do que para ajudar o próximo. Uma "bondade" que traz mais cartaz ao "benfeitor" do que benefícios aos necessitados.
O "espiritismo" virou um balé de palavras bonitas e o que se vê nas palestras dos "centros espíritas" é essa coreografia de textos bonitos, que fazem as pessoas derramarem lágrimas de comoção à toa. A impressão que se tem é que os "espíritas" são pessoas infantilizadas, sempre dispostas a ouvir estórias de sofrimento e superação que mais lembram contos de fadas, criando um entretenimento inútil que só serve mais para despertar nos adultos os instintos de bebês chorões.
As ações filantrópicas, se existem, são pouco expressivas. Os miseráveis assistidos continuam sendo os mesmos, os beneficiados são poucos e a qualidade dos benefícios, inócua e mediana. Um projeto como a pedagogia na Mansão do Caminho, erroneamente tida como "transformadora" e "revolucionária", não é mais do que a aplicação do projeto ideológico da Escola Sem Partido, que limita a Educação a um projeto inócuo de ensinar a "ler, escrever e trabalhar" sem que estimule à pessoa uma compreensão crítica da realidade, mas inserindo nela dogmas religiosos, como, no caso, bobagens risíveis como "crianças-índigo".
Mas tudo isso é aceito sem reservas, mesmo por pessoas que iniciam algum esforço de questionar as deturpações do Espiritismo. Pessoas que não se atrevem a aprofundar os questionamentos a Chico Xavier e Divaldo Franco, intimidados pela suposta bondade dos dois (ver que se pode intimidar as pessoas com bom-mocismo é assustador), revelam essa complacência que é garantida não só pela roupagem religiosa que lembra as fantasias dos contos infantis, mas é garantida também pelo concerto de palavras bonitas que parecem encharcadas de açúcar refinado.
Esse baile de palavras bonitas e supostas mensagens de amor, trazidas em doses diabéticas para as pessoas, pode trazer conforto e alegria para muita gente. Mas isso macula, da maneira mais irresponsável e fútil, o legado de Allan Kardec, que não foi feito para o balé de palavras bonitas.
Por outro lado, a beleza da retórica camufla algo bem mais sórdido do que se pode parecer. E o espírito Erasto, discípulo de Paulo de Tarso, já havia prevenido isso: segundo ele, é certo que os deturpadores do Espiritismo às vezes mostrem "coisas boas", mas é aí que se deve tomar maior cuidado, porque isso pode servir de gancho para a veiculação de ideias levianas e mistificadoras.
Os brasileiros se tornaram surdos aos apelos de Erasto, devidamente registrados, com seu texto claro e conciso, na obra de Allan Kardec. Preferiram serem seduzidos pelo balé de palavras bonitas e paisagens fantasiosas, sonhando com seus ídolos, deturpadores da Doutrina Espírita, em imagens falsamente associadas à "bondade plena" e a uma "filantropia" que mais impressiona as pessoas do que ajuda aos necessitados. Repetindo: uma "filantropia" que dá mais cartaz ao "benfeitor" do que ajuda profunda aos necessitados.
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