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A revanche de Chico Xavier no uso do nome de Humberto de Campos

(Autor: Professor Caviar)

A leviandade de Francisco Cândido Xavier na usurpação do nome de Humberto de Campos, associado a supostas obras espirituais, mesmo sob o codinome de Irmão X, é algo que não pode ser subestimado.

O esperto Chico Xavier foi beneficiado pelas brechas sociais e legais existentes no Brasil. O fascínio pelas aparências, na qual o suposto médium, pela aparência de caipira ingênuo, mais tarde acrescida com a de um velhinho frágil, garantiu toda complacência com Chico, inocentado até em piores erros comprovadamente de sua responsabilidade.

Da mesma forma, Chico foi beneficiado pelas brechas da lei, que não sabia o que fazer com os direitos autorais de supostas psicografias, e deixou tudo no empate. Algumas fontes entenderam que o suposto médium era responsável pelas obras atribuídas a autores mortos, mas oficialmente essa questão não foi abordada. Os juízes apenas se omitiram de atribuir qualquer menção quanto à cobrança de direitos autorais de obras "produzidas" por "autores do além".

São preconceitos e omissões muito típicos e que valem até hoje, quando Chico Xavier é promovido a um quase deus por seus fanáticos seguidores. E tudo isso pela impressão fácil das aparências. Chico, de aparência frágil, franzino e de fala mole, alvo de complacência extrema da sociedade, mesmo fazendo pastiches literários grosseiros, causando confusões nos meios intelectuais e expressando posições reacionárias, como defender a ditadura militar num programa de TV.

Em contrapartida, é o mesmo Brasil que despeja rancor contra o ex-presidente Lula, por causa de sua aparência de roliço robusto e rude. Do contrário do "médium", associado a visões retrógradas e fraudes preocupantes - um exemplo é o caso Jair Presente, no qual Chico Xavier não conseguiu disfarçar as fraudes mediúnicas e ele se irritou com os amigos do falecido jovem - , o ex-presidente realizou muitos progressos para o país, pagando a dívida externa, fortalecendo as empresas nacionais e revalorizando os salários e o poder aquisitivo das classes populares.

O caso Humberto de Campos também é um caso de impunidade e brechas legais comparáveis ao da Operação Lava Jato que viu em Lula um "culpado" sem poder determinar uma culpa consistente. Supostas propriedades atribuídas ao ex-presidente de forma ridícula, como um triplex no Guarujá (na verdade um apartamento de classe média), um sítio em Atibaia (com estrutura modesta de um albergue) e um iate (na verdade, um barco de pesca), que mesmo assim nem dele são, revelam o quanto a Justiça no Brasil age de acordo com as conveniências.

E vemos o quanto a relação de Chico Xavier ao nome de Humberto de Campos, que desperta tantas fantasias entre os "espíritas" - há até mesmo um livro delirante sobre a "parceria" - , na verdade, revela problemas sérios que poucos imaginam, e que indicam que o anti-médium mineiro havia feito não uma homenagem, mas uma revanche contra um artigo em duas partes publicado pelo autor maranhense no Diário Carioca.

HUMBERTO TERIA LIDO O LIVRO "PSICOGRÁFICO" ÀS PRESSAS

O que parecem ser dois artigos, intitulados "Poetas do Outro Mundo" e "Cmo Cantam os Mortos", publicados respectivamente no Diário Carioca de 10 e 12 de julho de 1932, são na verdade um artigo, dividido em dois por limites de espaço, e que resenharam o pitoresco livro poético Parnaso de Além-Túmulo, de Francisco Cândido Xavier, lançado naquele ano.

Lembrando que Chico Xavier havia tentado lançar poemas com seu próprio nome no Jornal das Moças, em 1930, o livro "psicográfico" aparentemente recebeu o comentário positivo de Humberto, não se sabe se por ironia ou por boa-fé.

Humberto parecia reconhecer semelhanças dos poemas "espirituais" com os que foram feitos pelos autores alegados em vida. Mesmo assim, observa-se que ele não tem certeza absoluta de que os poemas "do além-túmulo" são realmente autênticos ou se Chico Xavier escreveu "à maneira deles".

Um trecho do artigo "Poetas do Outro Mundo" é usado pelo "movimento espírita" como um suposto atestado de veracidade de Parnaso de Além-Túmulo e que serve também para sustentar a suposta parceria entre o espírito do escritor e o "médium" mineiro:

"Eu faltaria, entretanto, ao dever que me é imposto pela consciência, se não confessasse que, fazendo versos pela pena de Francisco Cândido Xavier, os poetas de que ele é intérprete apresentam as mesmas caraterísticas de inspiração e de expressão que os identificavam neste planeta. Os temas abordados são os que os preocupavam em vida. O gosto é o mesmo. E o verso, obedece, ordinariamente, a mesma pauta musical".

Todavia, o que se observa é que Humberto de Campos teria lido o livro de Chico Xavier às pressas. Com seus compromissos intelectuais e literatos (ele estava lançando O Monstro e Outros Contos), o autor maranhense não podia trazer uma análise definitiva das obras, cujas contradições seriam identificadas por outros literatos, já depois da morte de Humberto e do lançamento das supostas psicografias a ele associadas.

Mas o que incomodou Chico Xavier é que, no referido artigo de 10 de julho, Humberto fez um comentário irônico sobre a concorrência dos "poetas do além" com os poetas da Terra. Um desfecho pouco generoso que deve ter irritado o "médium", que viu nisso uma recusa de reconhecimento pleno. Humberto encerrou o primeiro artigo da seguinte forma:

"(...) Por enquanto eu quero, apenas, pôr de sobreaviso os poetas vivos contra o perigo que a todos nos ameaça com a ideia que tiveram os mortos de voltar a escrever neste mundo em boa hora abandonado por eles. Se eles voltam a nos fazer concorrência com os seus versos perante o público e, sobretudo, perante os editores, dispensando-lhes o pagamento de direitos autorais, que destino terão os vivos que lutam, hoje, com tantas e tão poderosas dificuldades?

Quebre pois cada espírito a sua lira na tábua do caixão em que deixou o corpo. Ou, então, encarna-se outra vez, e venha fazer a concorrência aqui em cima da terra, com o feijão e o arroz pela hora da vida".

Isso é como se Humberto tivesse escrito: "Chico, não devia ter publicado este livro. Nós não queremos concorrência com autores do além-túmulo. Eles que fiquem longe tocando suas liras para os anjos".

Chico Xavier talvez tenha se irritado (alguém ainda duvida que Chico Xavier se irritava na vida? Ele se irritava, sim, e muito) com essa declaração, achando que seu trabalho foi em vão. Independente do aspecto de fraudes ou pastiches, que seriam temas anos mais tarde, o não-reconhecimento de Humberto deve ter feito Chico Xavier pensar em alguma coisa.

Foi quando Humberto de Campos, doente, faleceu, com apenas 48 anos, no final de 1934. Meses depois, em 1935, diante da comoção dos brasileiros com a tragédia do ilustre escritor, Chico Xavier veio com uma estória de que sonhou com o autor. Segundo esse relato, Chico estava diante de uma multidão quando Humberto se destacou dela e se apresentou: "Você é o menino do Párnaso? Prazer, eu sou Humberto de Campos".

E aí Chico Xavier começou a forjar a "parceria". Foi a deixa para criar um Humberto de Campos diferente do que existiu em vida. Se Humberto era ateu, então dá-lhe um "espírito" de beato religioso atribuído a ele. Chico botou o "espírito Humberto" para escrever temas igrejistas, com um estilo de escrita completamente diferente, com muito poucas e frágeis semelhanças.

"Você que condenou a literatura do além agora vai ser um dos autores", teria pensado Chico Xavier. "Você será mais um dos 'meus autores' no Parnaso, a 'escreverem' o que eu penso na vida". E assim veio um "Humberto de Campos" estranho, bem menos empolgante que o autor que nos divertia com obras como O Brasil Anedótico, O Monstro e Outros Contos e Carvalhos e Roseiras.

Em vez da narrativa ágil, descontraída, com escrita culta e impecável, mas acessível, o "espírito Humberto" apresentou uma narrativa muito pesada, lenta e cansativa, deprimente, com linguagem pretensamente culta, mas cheia de vícios de linguagem. Foram identificados cacófatos como "que cada" (lembra "quicada") e "chama Maria" (lembra "mamária"). 

O Humberto que esteve entre nós mostrava diversidade temática nos seus textos. O "espírito Humberto" era monotemático, voltado a um igrejismo que beirava ao Catolicismo mais escancarado. Em muitos trechos dos livros do "espírito Humberto", é fácil identificar a mesma linguagem existente nos depoimentos pessoais de Chico Xavier hoje disponíveis nas redes sociais e facilmente adquiridos nas buscas do Google.

PRECONCEITOS SOCIAIS

O revanchismo de Chico Xavier contra Humberto de Campos se pode ser observado quando alguns vestígios de preconceitos sociais e juízos de valor trazidos pelo "médium" foram atribuídos ao autor maranhense para que, assim, o "bondoso médium" fosse isento de culpa, já que as acusações que publicava seriam atribuídas a outrem.

No livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, de 1938, há um sutil racismo tratando índios e negros como "selvagens", numa forma pejorativa. Também foi corroborado o mito católico do julgamento de Jesus de Nazaré - que, apesar de muito difundido, até em encenações da Paixão de Cristo, nunca teve registro na História - de que sua condenação à cruz teria sido "pedida" pelo povo judeu, inocentando a culpa dos políticos do Império Romano.

Na obra Novas Mensagens, de 1939, há um conto sobre uma mulher queixosa que é abandonada por amigos e colegas de trabalho. Uma mulher que se queixava de ser "capacho do Destino" e reclamava da vida por conta das dificuldades pesadas. A peça literária faz propaganda da Teologia do Sofrimento, corrente católica apoiada por Chico Xavier, que fazia apologia à desgraça humana como caminho de "purificação da alma".

No livro Cartas e Crônicas - no qual o nome Humberto de Campos é disfarçado, por contexto, pelo codinome Irmão X - , há a acusação de que as humildes vítimas do incêndio no Gran Circo Norte-Americano, em Niterói, no final de 1961, teriam sido cidadãos aristocráticos que sentiam prazer em ver hereges sendo queimados numa arena na Gália, região da atual França, então integrante do Império Romano, no século II. Acusações semelhantes a esta já renderam processos por danos morais, diante de acusações sem provas contra vítimas de uma tragédia.

São posições muitíssimo cruéis, que Chico Xavier, para sair livre de qualquer acusação, atribuiu a Humberto de Campos, o que indica um revanchismo, porque, apesar do "espírito Humberto" ter "viajado para Marte" e "conhecido Marilyn Monroe", dentro da produção fictícia trazida pelo "médium" de imaginação fértil, ele foi associado a preconceitos sociais cruéis e juízos de valor muito severos e maledicentes.

Com isso, observa-se o quanto a "parceria" de Humberto de Campos e Chico Xavier foi a farsa mais bem sucedida da literatura brasileira. Humberto, em sua obra original, ficou isolado nos círculos literários específicos e na memória da Academia Brasileira de Letras. Enquanto isso, Chico Xavier aparece como destaque nas feiras literárias, nos estandes da FEB, ostentando, entre outras obras, o "seu Humberto de Campos". Coisas surreais do Brasil anedótico.

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