(Por Gustavo Nascimento, via e-mail)
Nota-se uma coisa estranha. Quando alguém faz duras críticas ao chamado Espiritismo que é feito no Brasil, mais para uma seita igrejeira do que para a tradução brasileira do legado de Allan Kardec, de repente as pessoas passam a retratar com o tempo, pedindo desculpas e passando a considerar algum valor até nos piores deturpadores dos postulados kardecianos.
O caso de Chico Xavier é bem típico. Em sua trajetória, ele foi beneficiado por um sem-número de complacências e resignações aqui e ali. Pessoas que faziam duras críticas a ele pediram desculpas e passaram a reconhecer nele um "valioso exemplo de amor e bondade", exemplo que, na prática, nunca se viu em nenhum momento, pois foi mais uma conversa para boi dormir. Afinal, se Chico tivesse realmente ajudado nosso país seria bem outro que não o caos que vivemos e que vai piorar quando os gastos públicos forem finalmente limitados pelo presidente Michel Temer.
O caso mais famoso foi o processo que herdeiros de Humberto de Campos moveram contra Chico Xavier e a Federação Espírita Brasileira, na pessoa do sr. Antônio Wantuil de Freitas, cujo enunciado foi um tanto frouxo: pedir para que juristas avaliassem a suposta psicografia atribuída a Humberto de Campos, para que, em caso de comprovar autenticidade, os direitos autorais fossem pagos aos herdeiros e, na hipótese contrária, FEB e Chico tivessem que pagar multa por apropriação indébita do nome de um morto.
A questão foi mal formulada, os juízes não compreenderam direito - paciência, eles são "ancestrais" de Sérgio Moro e Gilmar Mendes! - e o caso terminou num empate que favoreceu Chico Xavier e o fez virar um mito que cresceu feito bola de neve. E, três décadas depois, Chico ainda contou com uma "pequena ajuda" da Rede Globo para virar "ícone máximo de caridade" que muita gente acredita cegamente.
Está na cara que o caso Humberto de Campos deveria ter um desfecho desfavorável a Chico Xavier. O mito teria sido natimorto, Chico mal sobreviveria na posteridade como um exótico verbete do Guia dos Curiosos. O Superinteressante não daria tanto cartaz com edições especiais, se limitaria a citá-lo em pequenas reportagens, no máximo.
Isso porque, como lembram intelectuais renomados como Osório Borba e Malba Tahan, ou mesmo o advogado dos herdeiros de HC, Milton Barbosa, é só comparar os escritos que Humberto deixou em vida e as supostas psicografias. A diferença de estilos é tão gritante que a primeira impressão é que, no plano espiritual, Humberto de Campos virou um escritor muito diferente do que foi em vida.
Se levarmos em conta a suposta autenticidade, teremos que considerar que Humberto se esqueceu do seu estilo por causa da "linguagem universal do amor" ou doou seu talento peculiar para a "caridade", fazendo uma literatura "qualquer nota" (um estilo forçadamente culto e cheio de vícios de linguagem e narrativas cansativas) sob a desculpa de transmitir "mensagens positivas de fé e fraternidade".
Diante desse caso, que foi um grande escândalo em 1944, o que ocorreu? Chico Xavier apelou para o vitimismo, se passando pelo choroso derrotado para levar vantagem, enquanto ele e Wantuil combinaram mensagens do suposto Humberto aqui e ali, sobretudo depois do desfecho jurídico, quando foi lançado um texto que, em muitos trechos, lembra o estilo dos depoimentos do "médium" e apelava estranhamente para não se preocupar com a veracidade das obras, sob o pretexto de que os "maiores exemplos humanos viveram sob a ocultação de seus nomes e identidades".
Mas isso é fichinha, quando sabemos que Chico Xavier tentou ser gentil com a mãe de Humberto, Ana de Campos Veras, explorando o ponto fraco da saudade do filho morto. E tentava atrair a confiança do cético Humberto de Campos Filho forjando mensagens paternais carregadas de palavras carinhosas e supostamente confortadoras.
Chico Xavier teve apenas um certo trabalho para conquistar o filho do escritor falecido. Em 1957, o convidou para um "centro espírita" em Uberaba, numa engenhosa estratégia que incluiu reunião doutrinária, na qual o ilustre convidado teria sua presença anunciada, e depois o convite a uma visita às "obras de caridade", para ver um grupo de senhoras cozinhando sopas e depois ir a um quarto de um idoso doente e triste, que, sob um sussurro do "médium", alterou seu humor e contraiu uma alegria abobalhada.
E aí, pronto, foi moleza conquistar a confiança de Humberto de Campos e Chico só teve que fazer duas coisas: uma já foi feita logo após a ação judicial, que foi criar um pseudônimo (parodiando o Conselheiro XX, "conselheiro vinte"), Irmão X ("irmão xis"). Outra é escrever falsas cartas psicográficas nas quais um suposto Humberto fazia apelos sentimentais ao filho do escritor, caprichando no discurso de aparente apelo paternal.
Esse é apenas um apelo. Existem tantos. A crise do roustanguismo, já que durante décadas a FEB mal conseguia esconder sua preferência por Jean-Baptiste Roustaing em detrimento de Allan Kardec, fez com que um espiritismo amalucado prevalecesse, um engodo doutrinário que já se define como "fase dúbia", na qual se mantém um aparato de Doutrina Espírita à maneira das bases kardecianas, mas mantendo conceitos e práticas herdados da fase roustanguista.
Diante disso, os dois maiores deturpadores da Doutrina Espírita, Chico Xavier e Divaldo Franco, foram premiados com o falso vínculo às bases kardecianas, eles que sempre demonstraram práticas e conceitos claramente contrários ao pensamento de Kardec. É só ler O Livro dos Médiuns que Chico e Divaldo são derrubados como castelos de areia pela mais branda onda do mar.
Mas o Brasil que sente complacência com ídolos religiosos, sob a desculpa mole do "trabalho do bem", com alegações de uma "bondade" que mais fascina do que realmente ajuda, Chico e Divaldo volta e meia são beneficiados, assim como todos os seus seguidores, pela fraqueza com que muitos críticos do Espiritismo deturpado no Brasil sentem em não levar adiante seus questionamentos.
Essa fraqueza se dissolve facilmente quando o mito de "bondade" dos ditos "médiuns" (que já diferem dos discretíssimos e quase anônimos médiuns franceses dos tempos de Kardec, pois os brasileiros vivem sob o culto à personalidade) faz com que críticos severos ou mesmo intelectuais e personalidades ateus se retratassem e criassem atenuantes a Chico, Divaldo e companhia. Recentemente, uma atriz ateia foi recorrer a um suposto médium só para agradecer por escapar de um trágico acidente.
Isso é muito perigoso. Hoje os críticos da deturpação do Espiritismo fazem consideração a Chico Xavier, Divaldo Franco e afins por causa da "bondade". No segundo momento, vão dizer que os dois são "honestos" e "humildes". No terceiro momento, tomado pela simpatia e confiabilidade dos mesmos, terá a curiosidade de rever suas ideias. No fim, vai apoiar suas ideias deturpadoras e acabará jogando no lixo suas próprias críticas contra a deturpação.
Assim é muito fácil fazer mistificação e seduzir as pessoas. O traiçoeiro Espiritismo deturpado, que muitos dizem ser também amaldiçoador - não são raros os devotos dessa doutrina que veem seus filhos morrerem de repente, como que num fenômeno de maldição - , consegue a mais absoluta impunidade, pelo seu aparato de falsa modéstia, falsa humildade e falsa despretensão, que oculta as mais terríveis irregularidades, em muitos casos piores do que as de católicos e evangélicos.
Era isso que o espírito Erasto queria prevenir, mas os brasileiros apenas fingiram dar ouvidos a ele, ignorando seus alertas.
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