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Publio Lentulus nunca existiu: é invenção de "Emmanuel" da Nóbrega! - Parte 2

OBS de Profeta Gandalf: Este estudo mostra que o personagem Publio Lentulus, utilizado pelo obsessor de Chico Xavier, Emmanuel, para tentar dizer que "esteve com Jesus", é um personagem fictício, de uma obra fictícia, mas com intenções reais de tentar estragar a doutrina espírita, difundindo muita mentira e travando a evolução espiritual.

Testemunhos Lentulianos

Por José Carlos Ferreira Fernandes - Blog Obras Psicografadas
Informações sobre Públio Lêntulo presentes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro 

De meu conhecimento, havia no Brasil três referências a “Públio Lêntulo” passíveis de serem conhecidas por pesquisadores (espíritas ou não) entre os finais da década de 1930 e os inícios da de 1940, todas na seção de “Obras de Referência” da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro (pois eu mesmo, desde há muitos anos, as consultei). 
Duas dessas referências (aliás, já citadas no “Obras Psicografadas”), com certeza (a obra de Vigouroux e a “Grande Encyclopédie”), datam do início do séc. XX, e encontravam-se disponíveis na referida biblioteca antes de 1938, podendo, assim, ter sido consultadas por qualquer pesquisador desde o início do “affair” Lêntulo-Emanuel. 
Quanto à terceira (a Enciclopédia Universal Ilustrada, da Editora Calpe), em castelhano, embora a tivesse também consultado, não tinha certeza de que estivesse disponível nessa data (já que a obra, assim como a “La Grande Encyclopédie”, não ostenta data de publicação).  Assim, não a mencionei em nenhum de meus textos anteriores. 
Mas tanto a “La Grande Encyclopédie” quanto a Enciclopédia Universal Ilustrada (e também a obra de Vigouroux) são citadas explicitamente nas já mencionadas reportagens (defendendo a mediunidade de Francisco Cândido Xavier) publicadas no “Jornal da Noite”, nos dias 09 e 11 de agosto de 1944 (em resposta a uma reportagem anterior, negando a existência de Lêntulo, da autoria do sr. José Schiavo, que teria sido publicada n’ “O Globo” de 30 de julho do mesmo ano). 
Ou seja, no mínimo por essa época (i.e. pelo ano de 1944) as três referências a “Públio Lêntulo” na Biblioteca Nacional já se encontravam disponíveis; e, quanto à Enciclopédia Universal Ilustrada, é muito provável que, do mesmo modo que as outras duas, já estivesse igualmente disponível em 1938, dada inclusive a dificuldade de se importarem livros desde o início da Segunda Guerra Mundial (sendo, assim, pouco provável que tal obra tivesse sido adquirida entre 1939 e 1944, devendo tê-lo sido, assim, em data anterior). 
Desse modo, as três referências constantes na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que a seguir são mencionadas no que têm de importante, podem ser consideradas como de pleno conhecimento do público entre os finais da década de 1930 e os inícios da de 1940 – justamente durante o período em que o espírito-guia “Emanuel”, de Francisco Cândido Xavier, informou, entre outras coisas, ter sido, noutra encarnação, um suposto senador “Públio Lêntulo” (bisneto por linha paterna do notório conspirador catilinário Lêntulo Sura), contemporâneo de Cristo (que lhe curou a filha leprosa, “Flávia Lentúlia” [sic]), presente em Jerusalém aquando de Sua crucifixão e, após vários anos na Judéia, ter sido, posteriormente, um dos membros do “conselho de guerra” de Tito, durante a guerra judaica e a conquista de Jerusalém, em 70 dC; e tendo, enfim, morrido na erupção do Vesúvio, em Pompéia, no início do império de Tito (79 dC). 

Dictionnaire de la Bible, F. Vigouroux et al., Letouzay & Ané Éditeurs, Paris, 1908.  No tomo IV, cols. 167-172, s.v. Publius Lentulus”, podem ser destacados os seguintes itens: 

Publius Lentulus: personnage imaginaire auquel on a attribué une lettre apocryphe décrivant la personne de Notre Seigneur.  Il est a censé avoir été gouverneur de la Judée, avant Ponce Pilate, et avoir écrit la lettre qui suit au Sénat romaine. (…) La lettre de Lentulus est une composition apocryphe : la caractère apocryphe de cette lettre est indubitable.  Les copistes savent trop quel titre donner à son auteur prétendu; ce titre varie dans la plupart des manuscrits qu’on en connait; les uns l’appelent proconsul, d’autres gouverneur ou « praeses Hierosolymitanorum », etc.  Leur embarras provient de ce qu’il n’y a jamais eu à Jérusalem ni en Judée de gouverneur de nom Lentulus.  Il existait un « praeses » ou un « proconsul Syriae », et un « procurator Iudaeae ».  Bien plus, aucun procurateur de Judée ne c’est appelé Lentulus.  (…) D’ailleurs, un Romain n’aurait jamais pu employer plusieurs des expressions qu’on lit dans la lettre : « propheta veritatis », « filii hominum » ; ce sont là des hébraïsmes, et le dernier est emprunté au Ps. XLIV, 3.  La dénomination de « Jesus Christus » trahit aussi une époque postérieure et est empruntée au Nouveau Testament.  Enfin, sans relever d’autres détails, notons que, si elle avait été écrite par un procurateur de Judée, elle aurait été adressée non au Sénat, mais à 1’empereur, parce que la Syrie, dont faisait partie la Judée, était une province impériale, et non une provinnce sénatoriale.  (..) Aucun ancien écrivain ecclésiastique n’a parlé de la lettre de Lentulus, quoiqu’ils aient si souvent cité les autres écrites apocryphes connus de leur temps.
Públio Lêntulo: personagem fictícia, a quem se atribui uma carta apócrifa que descreve a pessoa de Nosso Senhor. Supõe-se que [Lêntulo] tivesse sido governador da Judéia antes de Pôncio Pilatos, e que ele tenha escrito a seguinte carta ao Senado romano. (…) A carta de Lêntulo é uma composição apócrifa: o seu caráter apócrifo é indubitável.  Os copistas [do documento, a partir dos sécs. XIV-XV dC] sequer sabiam que título dar ao seu pretenso autor; tal título variava na maioria dos manuscritos conhecidos; uns o chamam procônsul, outros governador, ou “praeses Hierosolymitanorum”, etc.  Toda essa confusão decorre do fato de que nunca houve em Jerusalém ou na Judéia nenhum governador chamado Lêntulo.  Houve um “praeses” ou “procônsul Syriae”, bem como um “procurator Iudaeae”[1].  Mas nenhum procurador da Judéia jamais teve o nome Lêntulo. (…) Além disso, um romano nunca poderia fazer uso [em sua correspondência oficial] de muitas das expressões que ocorrem na carta, como “propheta veritatis”, ou “Filii hominum” – tratam-se de hebraísmos, e o último, inclusive, é retirado do salmo 44, vers. 3.  A expressão “Jesus Christus” também revela um período [de composição] posterior, sendo tomada do Novo Testamento.  Finalmente, sem levar em conta outros detalhes, pode-se observar que, se a carta tivesse sido escrita por um procurador da Judéia, não teria sido dirigida ao Senado, mas sim ao Imperador, porque a Síria, que incluía a Judéia [como sua esfera de influência] era uma província imperial, e não uma província senatorial. (…) Nenhum dos antigos escritores eclesiásticos mencionou a carta de Lêntulo, embora tenham muitas vezes citado os outros escritos apócrifos, conhecidos em seu tempo.

La Grande Encyclopédie, Paris, H. Lamiraut & Cie., s/d.  Com um carimbo de catalogação da “Bibliotheca Nacional” datado do ano 1935; a edição é anterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), já que, p.ex., o mapa da França (tomo XVII, após a pág. 972) ainda não inclui a Alsácia-Lorena. No tomo XXII, pág. 18, s.v. “Lentulus”, após a descrição de vários Lêntulos históricos, tem-se o seguinte: 

Le Publius Lentulus prédécesseur supposé de Pilate em Judée, auquel on a attribué une lettre au Sénat décrivant la phisionomie de Jésus-Christ, n’a pas de caractère historique.
O “Públio Lêntulo” suposto antecessor de Pilatos na Judéia, ao qual se atribui uma carta ao Senado descrevendo a fisionomia de Jesus Cristo, carece de caráter histórico.

Enciclopedia Universal Ilustrada Europeo-Americana, Ed. Espasa-Calpe, Madrid, s/d. (mas provavelmente também disponível na Biblioteca Nacional em 1938; com certeza, disponível em 1944, conforme já comentado neste trabalho).  No vol. XXIX, págs. 1611-1612, s.v. “Léntulo” 

Léntulo, Públio: Hist., personaje histórico ficticio, supuesto gobernador de Judea antes de Poncio Pilatos.  Atribúyesele una carta dirigida al Senado y pueblo romanos, en la que se da cuenta de la existencia de Jesús y se dan pormenores de su aspecto exterior y de sus cualidades morales, terminando con la afirmación que Jesús era “el más hermoso de los hijos de los hombres”.  El origen de esto documento es desconocido; lo cierto es que fue impreso por primera vez en la Vita Christi de Ludolfo Cartujano (Colonia, 1474), y por segundo  vez en la Introducción a las obras de San Anselmo (Nuremberg, 1491)
Lêntulo, Públio: Hist., personagem histórica fictícia, suposto governador da Judéia antes de Pôncio Pilatos.  Atribui-se-lhe uma carta ao Senado e ao povo romano, que cita a existência de Jesus e que fornece, mesmo, pormenores acerca de seu aspecto físico e de suas qualidades morais, concluindo com a afirmação de que Jesus era “o mais formoso dos homens.”  A origem de tal documento é desconhecida; o certo é que foi impresso pela primeira vez na “Vita Christi” de Ludolfo o Cartuxo (Colônia, 1474), e pela segunda vez na introdução às obras de Santo Anselmo (Nuremberg, 1491)

Outras fontes referentes a Públio Lêntulo, anteriores a 1938: 

Pagan and Christian Rome, de Rodolfo Lanciani”, Houghton, Mifflin and Company, Boston and New York, 1892.  Não é certo que tal obra fosse de amplo conhecimento na época (não consta, p.ex., tanto quanto pude pesquisar, na Biblioteca Nacional), mas reforça a idéia de que, já então, o consenso histórico tinha “Públio Lêntulo”  como personagem fictícia, bem como sua carta, que é o único documento que a ele se refere, como apócrifa.  No capítulo VII, “Roman Cemeteries”, consta o seguinte: 

Ancient writers have left but little information about the personal appearance of the Savior; and the vagueness of their accounts proves the absence of a type which was universally recognized as authentic. Many documents concerning this subject must be rejected as forgeries of a later age. Such is the pretended letter of Lentulus, governor of Judaea, to the Senate, describing the appearance of Jesus.
Os escritores antigos deixaram pouca informação sobre a aparência física do Salvador, e a imprecisão de seus testemunhos prova a ausência dum tipo que fosse universalmente reconhecido como autêntico.  Muitos documentos referentes a tal tema devem ser rejeitados como falsificações de épocas mais recentes.  Tal é o caso da pretensa “carta de Lêntulo”, governador da Judéia, ao Senado, descrevendo a aparência física de Jesus.

The Catholic Encyclopaedia (ed. 1913): pode ser consultada “on line” em: http://www.newadvent.org/cathen/09154a.htm, e foi inclusive citada por um pesquisador espírita.  Alguns dos trechos mais representativos a seguir. 
Publius Lentulus is a fictitious person, said to have been Governor of Judea before Pontius [Pilate], and to have written the following letter to the Roman Senate (…) The letter of Lentulus is certainly apocryphal: there never was a Governor of Jerusalem; no Procurator of Judea is known to have been called Lentulus; a Roman governor would not have addressed the Senate, but the emperor; a Roman writer would not have employed the expressions, “prophet of truth”, “sons of men”, “Jesus Christ”.  The former two are Hebrew idioms, the third is taken from the New Testament.  The letter, therefore, shows us a description of our Lord such as Christian piety conceived him.
Públio Lêntulo é uma personagem fictícia, supostamente um governador da Judéia antecessor de Pôncio [Pilatos], e que teria escrito a seguinte carta ao Senado romano referente a Cristo [segue-se o texto da carta, aqui não reproduzido].  A carta de Lêntulo é, com certeza, apócrifa: nunca houve um [magistrado com o título de] Governador de Jerusalém; nenhum procurador da Judéia teve por nome Lêntulo; um governador romano [da Judéia] não teria escrito ao Senado, mas sim ao Imperador, e não teria empregado expressões como “profeta da verdade”, “filhos dos homens”, ou “Jesus Cristo”.  As duas primeiras expressões são hebraísmos; a terceira é tomada do Novo Testamento.  A carta, portanto, mostra-se como uma descrição de Nosso Senhor, tal como a piedade cristã [posteriormente] a concebeu.
 
Assim, as fontes disponíveis sobre Públio Lêntulo, deixam claro que: a) o único testemunho existente acerca dessa personagem é justamente a carta em que descreve Cristo, ou seja, Lêntulo não tem existência independente de sua pretensa carta ao Senado (ou ao Imperador?); b) a carta é tardia, não sendo citada por nenhum testemunho literário, nem por nenhum escritor eclesiástico, antes do séc. XIV dC; c) a carta é, certamente, apócrifa, tendo em vista não apenas a ausência de testemunhos (ainda que indiretos) anteriores ao fim da Idade Média, mas também considerando-se seu próprio vocabulário, e seu próprio conteúdo (incluindo a descrição da face de Cristo, que é a descrição canônica usual, a qual somente se consolidou, nas igrejas do Oriente e do Ocidente, a partir dos meados do séc. IX dC).

Amanhã: Considerações de Pesquisadores Espíritas acerca da Historicidade de Públio Lêntulo (1944)

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