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Famoso livro de Chico Xavier sobre o Brasil só comete erros e já deveria ter sido banido da literatura espírita

(Autor: Eduardo José Biasetto)

Introdução: Numa conversa minha com o Marcos Arduin, mencionei que o livro “Brasil, Coração Do Mundo, Pátria Do Evangelho”, de Chico Xavier/Humberto de Campos, publicado pela FEB, em 1938, me parecia uma obra menor, fraca! O professor Arduin, em um de seus comentários, mencionou que o livro era uma “porcaria”. Eu não tinha usado esta expressão, mas a colocação dele, me fez pensar e me levou a uma releitura do livro. Conclui, então, que o Marcos Arduin tinha razão. “Brasil, Coração Do Mundo, Pátria Do Evangelho”, realmente, deixa muito a desejar. O livro é cheio de comentários tolos, preconceitos e justificativas contraditórias. É dito que Jesus Cristo escolheu a América e, especialmente o Brasil, para edificar a “Pátria do Evangelho”. Então, Jesus e colaboradores de elevado plano espiritual, criaram as condições para que os europeus realizassem as grandes navegações dos séculos XV e XVI. Favoreceram os portugueses para que colonizassem o Brasil e criassem um país que seria exemplo para todo o mundo, onde haveria integração de “todas as raças”, muita harmonia e de onde sairiam benefícios para toda a humanidade. Depois de ter fantasiado demais ao escrever sobre vida em Marte (Cartas De Uma Morta/1935), Chico Xavier voltou a exagerar na fantasia, nesta obra em que afirmou ter recebido a história do jornalista e escritor Humberto de Campos (1886-1934).

Chamou-me a atenção, um livro vindo do além, trazer tantas informações imprecisas e contraditórias. Do ponto de vista histórico, o livro também é fraco. Segue a historiografia tradicional da época. Não apresenta nada de “revelador”. A não ser, os “detalhes” da participação do plano espiritual no evento de conquista e colonização da América. Mas, as informações neste campo, são demasiadamente questionáveis, difíceis de serem aceitas.

Bem, esta é a minha opinião, que realizo com certa tristeza, pois se constrói em razão de mais uma evidência da duvidosa mediunidade de Chico Xavier.

Convenço-me, assim, que Chico fora um homem muito preocupado com a dor, o sofrimento dos outros. Quis amenizar as angústias de todos nós, navegantes dessa nave chamada Terra, que nos leva a rumos desconhecidos. Esta coisa “doida”, chamada vida, bela, rica, desafiadora, passageira e frágil. 

Através da leitura, da disciplina, do desejo, da fé, Chico foi elaborando seus livros. Não sei se ele tinha plena consciência da diferença entre o real e o imaginário. Quem saberá? 

Obs.: Frente à análise aqui realizada, vejo a necessidade de informar, que sou formado em História (licenciatura plena) e Geografia (habilitação). Sou professor efetivo de História, em escola estadual. Também leciono como professor efetivo de História, em escola pública municipal, além de possuir experiência na rede privada, como professor de curso regular e cursinhos pré-vestibulares, nas disciplinas de História Geral, História do Brasil, História da Arte, Geografia Geral e Geografia do Brasil.

Para justificar minhas afirmações sobre as “falhas desta psicografia”, selecionei 12 passagens do livro, comentando-as, a seguir:

1 – Sobre a obra, Emmanuel diz, no prefácio: “Os dados que ele fornece nestas páginas foram recolhidos nas tradições do mundo espiritual, onde falanges desveladas e amigas se reúnem constantemente para os grandes sacrifícios em prol da humanidade sofredora.”

COMENTÁRIO: De acordo com Emmanuel, Humberto de Campos, colheu as informações do livro, no plano espiritual. São informações, tradicionalmente contadas lá. Analisando-se o livro, o mesmo não apresenta nenhuma novidade, no que se refere à sequência histórica dos fatos já conhecidos a respeito da História do Brasil. Fatos que o Chico não teria problema algum em encontrar nos manuais didáticos da época, ou, principalmente, em enciclopédias.

A narrativa é fortemente influenciada pela visão positivista, que marcou o Brasil nos primeiros tempos de República (o livro é de 1938). A ideia do heroísmo do desbravador, se manifesta em todo momento, relegando a um 2º plano, o contexto do explorado, a vítima do conquistador. Esta é outra característica muito frequente nos livros de História do Brasil, Característica que se manifestou até o fim do regime militar, no início de 1985.

Portanto, de imediato, é possível identificar no livro, uma visão etnocêntrica, preconceituosa e conservadora, visão esta, distorcida da realidade em que a História se insere hoje. Obviamente, que a alegação é de que o livro é dos anos 1930. Mas, vale lembrar que o livro foi escrito no plano espiritual. Deveria ser mais elevado e, neste caso, pode-se concluir que:

- Os espíritos (sábios!) não têm o menor senso crítico com relação às injustiças cometidas pelas potências europeias, no contexto do colonialismo, que se verificou na América Espanhola e Portuguesa (Brasil), no início dos “tempos modernos”.

2 – Emmanuel continua suas observações e diz: “O Brasil não está somente destinado a suprir as necessidades materiais dos povos mais pobres do planeta, mas, também, a facultar ao mundo inteiro uma expressão consoladora de crença e de fé raciocinada e a ser o maior celeiro de claridades espirituais do orbe inteiro.”

COMENTÁRIO: Dando continuísmo às ideias kardecistas, de que o espiritismo se transformaria em religião predominante, ocorre um erro de análise e projeção, porque isto não se manifestou. Muito pelo contrário, como o Gilberto sempre lembra aqui, o espiritismo “respira por aparelhos” em todo o mundo. Emmanuel também informa que o Brasil seria um exemplo de claridades espirituais, em razão da fé raciocinada, colocações absolutamente equivocadas, visto que nosso país é um celeiro de “bobagens religiosas”, inclusive no meio espírita.

3 – Ainda no prefácio de Emmanuel: “Se outros povos atestaram o progresso, pelas expressões materializadas e transitórias, o Brasil terá a sua expressão imortal na vida do espírito, representando a fonte de um pensamento novo, sem as ideologias de separatividade, e inundando todos os campos das atividades humanas com uma nova luz.”

COMENTÁRIO: A realidade é que o Brasil é um país dividido, onde existe uma das mais injustas concentrações de renda do planeta, onde a violência se destaca com números e dados aterrorizantes. Realidade muito, mas muito distante da informada por Emmanuel. Será que ele não sabia o que iria acontecer?

4 – Humberto de Campos diz, no tópico “esclarecimento” (introdução ao livro): “Jesus transplantou da Palestina para a região do Cruzeiro a árvore magnânima do seu Evangelho, a fim de que os seus rebentos delicados florescessem de novo, frutificando em obras de amor para todas as criaturas.

COMENTÁRIO: A partir desta informação, e de várias outras, ao longo do livro, Jesus Cristo esteve diretamente envolvido na descoberta da América pelos europeus, no final do século XV; bem como, ajudou diretamente na construção da sociedade colonial que aqui se formou, nos séculos subsequentes. Difícil entender como um espírito tão elevado, como o próprio espiritismo ensina, participou diretamente da carnificina que foi a colonização da América Latina, centrada nos interesses mercantilistas do conquistador europeu, interesses que não pouparam indígenas, negros, crianças, velhos… Estudos informam que quando os europeus chegaram à América, iniciando a colonização (século XVI), havia aqui por volta de 50 milhões a 80 milhões de habitantes. Menos de um século depois, este número já era inferior a 1/3. No Brasil, em 1500, havia entre 3,5 milhões a 5 milhões de indígenas. Hoje são 500 mil. Obras de amor para todas as criaturas – onde e quando ocorreu isto?

5 – Humberto de Campos narra, na página 47: “D. João III teve a infelicidade de introduzir em Portugal o organismo sinistro da Inquisição. Com o tribunal da penitência, vieram os Jesuítas. Não constitui objeto do nosso trabalho o exame dos erros profundos da condenável instituição, que fez da Igreja, por muitos séculos, um centro de perversidade e de sombras compactas, em todas as nações europeias, que a abrigaram à sombra da máquina do Estado. O que nos importa é a exaltação daqueles missionários de Deus, que afrontavam a noite das selvas para aclarar as consciências com a lição suave do Mártir do Calvário. Esses homens abnegados eram, de fato, ‘o sal da terra’.”

COMENTÁRIO: O livro aponta que tudo foi planejado pelo plano espiritual, desde a criação pelo Infante D. Henrique, da Escola de Sagres em Portugal, no século XV, até a chegada da esquadra cabralina no litoral brasileiro. Nesta parte do livro, é citada a importância dos jesuítas, no contexto da colonização – Observa-se, no fragmento acima, que é mencionada a Inquisição, mas já se desvia do assunto. A preocupação em não desagradar a Igreja Católica, sempre uma constante na obra de Xavier – o “espiritismo-católico”, que já abordamos em outro artigo. Em seguida, ratificando esta afirmação, há a exaltação dos “missionários de Deus”, visto aqui, como heróis, que tinham o objetivo de aclarar as consciências, isto é, levar aos indígenas o cristianismo. Clara demonstração de preconceito e menosprezo pela cultura “do outro”.

6 – Humberto de Campos narra, nas páginas 50/51: [Ismael, um dos mensageiros e trabalhadores de Jesus, diz a ele:] “A civilização, que ali se inicia sob os imperativos da vossa vontade compassiva e misericordiosa, acaba de ser contaminada por lamentáveis acontecimentos. Os donatários dos imensos latifúndios de Santa Cruz fizeram-se à vela, escravizando os negros indefesos da Luanda, da Guiné e de Angola. Infelizmente, os pobres cativos, miseráveis e desditosos, chegam à pátria do vosso Evangelho como se fossem animais bravios e selvagens, sem coração e sem consciência.” [Então, Jesus lhe responde:] – Ismael, asserena teu mundo íntimo no cumprimento dos sagrados deveres que te foram confiados. Bem sabes que os homens têm a sua responsabilidade pessoal nos feitos que realizam em suas existências isoladas e coletivas. Mas, se não podemos tolher-lhes aí a liberdade, também não podemos esquecer que existe o instituto imortal da justiça divina, onde cada qual receberá de conformidade com os seus atos.”

COMENTÁRIO: Jesus justifica a escravidão, dizendo que “os homens têm a sua responsabilidade pessoal nos feitos que realizam em suas existências isoladas e coletivas”. Considero esta passagem, simplesmente absurda, preconceituosa, discriminatória, vingativa… Lamentável colocação, visto que milhões de africanos foram trazidos da África, feitos escravos, humilhados, sacaneados, injustiçados… Uma atrocidade, sem precedentes! Será que Jesus Cristo, o Messias maravilhoso falaria uma besteira como esta aí.

7 – Humberto de Campos narra, na página 75: “Os portugueses prosseguiram, incessantemente, na faina ingrata de ‘descer os índios’. Regressando ao Além, os primeiros missionários da caravana luminosa de Ismael pedem a sua colaboração misericordiosa, para que semelhante situação se modifique. Mas, o grande apóstolo de Jesus explica: – Irmãos, não podemos tolher a liberdade dos nossos semelhantes. Não sou indiferente a esses movimentos hediondos, nos quais os índios, simples e bons, são capturados para os duros trabalhos do cativeiro. Esperemos no Senhor, cujo coração misericordioso e augusto agasalhará todos aqueles que se encontram famintos de justiça. Contudo, poderemos, com os nossos esforços, auxiliar os encarnados na compreensão das leis fraternas, avisando-lhes o coração de modo indireto, quanto aos seus divinos deveres. Infelizmente, não encontramos, na atualidade do planeta, outro povo que substitua os portugueses na grande obra de edificação da Pátria do Evangelho.”

COMENTÁRIO: Jesus tinha um propósito – criar a “Pátria do Evangelho”, então, nesse propósito, informa que “danem-se os índios”. Algo lamentável, visto que para atingir o objetivo da criação da “Pátria do Evangelho”, não importava que milhões de vidas fossem comprometidas, inclusive dos índios, os verdadeiros donos da terra.

8 – Humberto de Campos narra, na página 90: “O mensageiro divino as reuniu em grandes círculos, de onde lhe ouviam a palavra amiga e esclarecedora. – Meus irmãos – disse ele – regressareis dentro de breves dias aos núcleos de trabalho estabelecidos no planalto piratiningano. Prosseguireis atuando no mesmo campo de labor e liberdade com que caracterizastes as primeiras iniciativas aí desenvolvidas. Agora, levareis mais longe a vossa coragem e o vosso heroísmo. Penetrareis o coração da terra do Cruzeiro, rasgando as sombras de suas florestas imensuráveis. Com a vossa dedicação, novas atividades serão descobertas e novas possibilidades hão de felicitar a existência dos colonizadores do país, onde nos desvelaremos pela conservação da bandeira de Jesus, desfraldada lá sobre todas as frontes e sobre todos os corações.”

COMENTÁRIO: As informações se referem às Bandeiras, as expedições, geralmente particulares, que desbravaram os “sertões” do Brasil. Há um tom de exaltação ao heroísmo dos bandeirantes, sempre “abençoados” por Jesus e seus mensageiros e missionários. Sabemos muito bem que os bandeirantes foram homens sedentos de bens materiais. Saíram à caça da mão-de-obra indígena, à procura de metais preciosos. Outros se entregaram ao “serviço sujo” do sertanismo de contrato, como Domingos Jorge Velho, responsável pela destruição do Quilombo de Palmares. Verdade seja dita, os bandeirantes não devem ser vistos apenas como “homens maus”, pois eles se defendiam como podiam, em uma terra cheia de injustiças, dificuldades e amarguras. Foi justamente a pobreza da região vicentina que impulsionou o movimento bandeirante. Vale lembrar, que as Bandeiras, de fato, contribuíram e muito para a ampliação do território, além de Tordesilhas, também fizeram nascer uma nova economia – a mineradora.

Entretanto, não foram poucas as atrocidades cometidas por muitos bandeirantes, verdadeiros “bichos do mato”!

9 – Humberto de Campos narra, nas páginas 121/122 e 158: (I) “O mártir da inconfidência, depois de haver apreciado, angustiadamente, a defecção dos companheiros, reveste-se de supremo heroísmo. Seu coração sente uma alegria sincera pela expiação cruel que somente a ele fora reservada, já que seus irmãos de ideal continuariam na posse do sagrado tesouro da vida. As falanges de Ismael lhe cercam a alma leal e forte, inundando-a de santas consolações. Tiradentes entrega o espírito a Deus, (…) (II) – O nosso irmão, martirizado há alguns anos pela grande causa, acompanhará D. Pedro em seu regresso ao Rio e, ainda na terra generosa de São Paulo, auxiliará o seu coração no grito supremo da liberdade. (…) Tiradentes acompanhou o príncipe nos seus dias faustosos, de volta ao Rio de Janeiro. Um correio providencial leva ao conhecimento de D. Pedro as novas imposições das Cortes de Lisboa e ali mesmo, nas margens do Ipiranga, quando ninguém contava com essa última declaração sua, ele deixa escapar o grito de ‘Independência ou Morte!’.”

COMENTÁRIO: Em I, há a informação de todo o heroísmo de Tiradentes e, novamente, uma justificativa para que ele fosse o único dos conjurados condenado à morte (expiação pelos erros do passado). Primeiramente, é importante recordar que de todas as lideranças da Inconfidência Mineira, Tiradentes era o mais pobre, aliás, era o pobre, porque os demais faziam parte da elite mineira. Então, Tiradentes foi condenado à forca porque não tinha posição social e econômica. Em 2º lugar, alguns estudiosos afirmam que Tiradentes foi à forca extremamente contrariado, aos gritos, o que é algo absolutamente normal, convenhamos! Mas aí, não há nada de semelhante à narração do livro, que faz de Tiradentes um “herói” até na hora de sua morte. Terceiro, Tiradentes praticamente ficou esquecido na História do Brasil, por longas décadas. Com a Proclamação da República, um golpe civil-militar, em 15 de novembro de 1889, os republicanos, resgataram forçosamente a história de Tiradentes, porque eles queriam criar um herói nacional. A República precisava de um mártir. Inclusive, há diversas imagens de Tiradentes, quadros em que ele está com a corda no pescoço, na forca, em que ele aparece cabeludo e barbudo. Esta imagem é forjada, no sentido de lembrar Jesus Cristo. Os estudiosos afirmam que, normalmente, as pessoas que eram enforcadas pelas autoridades portuguesas, tinham a cabeça raspada e a barba feita. Em II, as informações mostram um Tiradentes “gozando de férias, sombra e água fresca”, no além, mas aí, ele é convocado a auxiliar D. Pedro na declaração de Independência do Brasil. Um monte de bobagens, vamos ser sincero! A independência do Brasil fez parte de um processo, envolvendo interesses e conchavos, terminando, inclusive, com o Brasil pagando uma indenização a Portugal – praticamente, compramos nossa emancipação política.

Se faz necessário considerar, ainda:

I – Novas evidências históricas consideram que o “grito às margens do Ipiranga”, nunca ocorreu. Trata-se de um mito histórico. Existe uma versão, inclusive, de que D. Pedro declarou a independência, não às margens, mas no alto de uma colina do Ipiranga, onde estava se livrando de uma diarréia. Esta história, ainda que cômica, parece se aproximar muito mais da verdade, do que a que foi exaustivamente contada nos livros didáticos.[1]

II – “Independência ou Morte”, é outro mito. Não há qualquer evidência de que D. Pedro tenha soltado este “grito”, no dia 7 de setembro. Alguns estudiosos apontam que foi a partir de uma carta escrita por D. Pedro, no dia 8 de setembro, onde ele afirma: “Prezados paulistas, independência ou morte é o nosso lema, mas estamos longe de conquistá-lo. Espero vosso apoio e vossa lealdade”, que surgiu esta história do “Grito do Ipiranga”.

III – O próprio quadro de Pedro Américo, “símbolo” da Proclamação da Independência brasileira, apresenta uma série de equívocos. Os “cavalos puro sangue” não faziam parte daquela realidade – mulas eram utilizadas naquelas viagens. Ou seja, muito do que se escreveu e se escreve sobre este acontecimento histórico, é pura fantasia.

As informações do livro do Chico Xavier/Humberto de Campos, só reproduzem as fantasias, quando deveriam corrigi-las, porque os espíritos evoluídos devem (ou deveriam) saber mais do que os que estão na experiência terrena. Vocês não acham?

10 – Humberto de Campos narra, nas páginas 175 e 177: “O século XIX, que surgira com as últimas agitações provocadas no mundo pela Revolução Francesa, estava destinado a presenciar extraordinários acontecimentos. (…) Foi assim que Allan Kardec, a 3 de outubro de 1804, via a luz da atmosfera terrestre, na cidade de Lião. Segundo os planos de trabalho do mundo invisível, o grande missionário, no seu maravilhoso esforço de síntese, contaria com a cooperação de uma plêiade de auxiliares da sua obra, designados particularmente para coadjuvá-lo, nas individualidades de João-Batista Roustaing, que organizaria o trabalho da fé; de Léon Denis, que efetuaria o desdobramento filosófico; de Gabriel Delanne, que apresentaria a estrada científica e de Camille Flammarion, que abriria a cortina dos mundos, cooperando assim na codificação kardeciana no Velho Mundo e dilatando-a com os necessários complementos.”

COMENTÁRIO: Esta passagem do livro, confirma aquilo que o Vitor e outros críticos já mostraram no blog, e eu também afirmei em artigo anterior – Chico Xavier conhecia muito bem os livros e ideias de autores e pesquisadores – João-Batista Roustaing, Léon Denis, Gabriel Delanne, Camille Flammarion – dos quais se alimentou para criar seus livros. A série André Luiz, ele se influenciou pela “A Vida Além Do Véu”, como já foi demonstrado aqui.

11 – Humberto de Campos narra, na página 199: “A realidade, entretanto, é que o Brasil retirou desse patrimônio de experiências os mais altos benefícios para a sua política externa e para a sua vida organizada, sem exigir um vintém dos proventos de suas vitórias.”

COMENTÁRIO: O fragmento se refere à Guerra do Paraguai, um conflito ocorrido entre o final de 1864 e 1870, no qual, Brasil, Argentina e Uruguai se uniram contra o Paraguai. Trata-se de um dos temas mais polêmicos em nossa história, pois tem dividido estudiosos nas pesquisas sobre as verdadeiras motivações das batalhas. Sabe-se, entretanto, que a tal guerra trouxe gastos dispendiosos ao Brasil, fazendo com que nossa nação se endividasse com a Inglaterra. Portanto, longe de ter trazido benefícios ao país, a Guerra do Paraguai trouxe inúmeras perdas, inclusive milhares de mortes, além dos prejuízos financeiros. O Paraguai foi praticamente destruído, alguns estudiosos afirmam que mais da metade de sua população masculina pereceu. Outro aspecto que é mostrado no livro, sobre este tema, é o Brasil heróico, forte, determinado, apesar da dor de estar em guerra. Ou seja, o Brasil é o “bonzinho”, o Paraguai o “bicho-papão” – visão frágil e etnocêntrica.

Há mais informações infundadas neste tópico, que mostra D. Pedro II como herói dos combatentes brasileiros. Na verdade, a Guerra do Paraguai serviu para diminuir sua popularidade e força política, pois ele não teve, no pós-guerra, a habilidade pra lidar com as reivindicações do Exército brasileiro. Assim, se desgastou frente aos militares, um dos motivos para que fosse destituído do poder em 15 de novembro de 1889.

12 – Humberto de Campos narra, nas páginas 202, 203 e 206: “D. Pedro [II] se reconfortava com essas doutrinações das massas, no seu liberalismo e na sua bondade de filósofo. Desejaria antecipar-se ao movimento ideológico, decretando a liberdade plena de todos os escravos; mas, os terríveis exemplos da guerra civil que ensangüentara os Estados Unidos da América do Norte durante longos anos, na campanha abolicionista, faziam-no recear a luta das multidões apaixonadas e delinqüentes. Foi, pois, com especial agrado, que acompanhou a deliberação de sua filha, de sancionar, a 28 de setembro de 1871, a Lei do Ventre Livre que garantia no Brasil a extinção gradual do cativeiro, mediante processos pacíficos. (…) Os abolicionistas compreendem que lhes chegara a possibilidade maravilhosa e a 13 de maio de 1888 é apresentada à regente a proposta de lei para imediata extinção do cativeiro, lei que D. Isabel, cercada de entidades angélicas e misericordiosas, sanciona sem hesitar, com a nobre serenidade do seu coração de mulher. (…) Os negros e os mestiçoes do Brasil sentiram no coração o prodigioso potencial de energias da sub-raça, com que realizariam gloriosos feitos de trabalho e de heroísmo, na formação de todos os patrimônios da Pátria do Evangelho, olhando o caminho infinito do futuro.”

COMENTÁRIO: Primeiramente, Humberto de Campos afirma que o “bondoso” D. Pedro II desejava libertar todos os escravos, mas ficou com receio de que ocorresse algo parecido com o que ocorreu nos EUA, se referindo à Guerra da Secessão (1861-1865), um conflito que envolveu os Estados do Norte e do Sul. Vários fatores concorreram para esta guerra interna na nação norte-americana, sendo que o problema da escravidão não foi o único. O contexto brasileiro era outro. Nos Estados Unidos, havia uma grande diferença entre os Estados do Norte e os do Sul, no que se refere ao desenvolvimento industrial e à estrutura socioeconômica. Isto ocorreu, porque os Estados do Norte, de clima mais frio, foram colonizados no “estilo” colônias de povoamento; enquanto que os Estados do Sul, foram colonizados no “estilo” colônias de exploração, como ocorreu com as colônias espanholas e o próprio Brasil.

O Brasil não apresentava diferenças tão significativas em termos regionais, além disso, na época do movimento abolicionista, o Sudeste já havia se transformado na região mais próspera, em razão, primeiramente, da economia mineradora, seguida, então, pela economia cafeeira. Muitos cafeicultores já haviam percebido que a mão-de-obra escrava rendia pouco.

Considero, portanto, que Humberto de Campos quis, na verdade, fazer média com o D. Pedro II, colocando-o na condição de homem bonzinho, muito preocupado com a mão-de-obra escrava negra. Se a escravidão tivesse sido abolida antes de 1888, por decisão do imperador, provavelmente ele receberia críticas e cobranças de “senhores” insatisfeitos, mas uma guerra interna no país, envolvendo Estados (na época se chamavam Províncias) do norte e do sul, isto não se fundamenta, porque não havia esta discordância entre os Estados (Províncias brasileiras). Assim, a justificativa apontada por Humberto de Campos, para que D. Pedro II retardasse a abolição no Brasil, é simplesmente ridícula.

Depois, informa Humberto de Campos, que a Lei do Ventre Livre trouxe grande agrado ao imperador. Esta lei, assim como a Lei dos Sexagenários (Lei Saraiva-Cotejipe, de 1885), foram duas leis do tipo “me engana que eu gosto”, porque, na prática, na resolvia em nada a questão abolicionista. Servia apenas para amenizar as críticas à escravidão, além de ir dando aos escravocratas vantagens – por exemplo, libertar um escravo com mais de 65 anos (aqueles que chegavam a esta idade eram poucos), significava se desfazer de um problema!

Quando ocorre a Lei Áurea, Humberto de Campos, trata a princesa Isabel como heroína, uma moça maravilhosa, boa, angelical! Faça-me um favor, quanta besteira. A princesa Isabel só assinou aquilo que já estava decretado: não havia mais como manter a escravidão no Brasil. A expansão cafeeira já se resolvia com a presença de mão-de-obra imigrante, e o sistema escravista já estava liquidado há tempos.

Por fim, Humberto de Campos se refere aos negros e mestiços como SUB-RAÇA, algo lamentável, claramente se referindo aos negros e mestiços como seres inferiores.

Ele não menciona que os ex-escravos foram jogados às ruas, sofrendo todo tipo de preconceitos e humilhações, mesmo depois do fim da escravidão.

Nota I: Fiz uso das colocações HUMBERTO DE CAMPOS NARRA/HUMBERTO DE CAMPOS AFIRMA… Entendendo-o como autor da obra, na afirmação xavieriana. Obviamente, sinto-me na obrigação de afirmar, que acredito que quem escreveu o livro foi o próprio Chico.  Isentando-se assim, o nobre jornalista e escritor Humberto de Campos, de qualquer crítica ou acusação que venha a manchar a sua memória.

Nota II: Respeitosos espíritas xavierianos, me desculpem o possível desagrado, mas evidências como as que aqui mencionei, neste simples ensaio, me levam a acreditar, cada vez mais, que Chico Xavier nunca foi médium.

Minhas sinceras saudações!

[1] Ver o livro “O Brado do Ipiranga”, das autoras Cecília Helena de Salles Oliveira, professora doutora do Programa de Pós-graduação em História Social da USP, e Claudia Valladão de Matos, doutora em História da Arte pela Universidade Livre de Berlim (Alemanha) e professora de História da Arte no Departamento de História da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Publicado em segunda-feira, maio 9th, 2011, 11:21 am categorias Obras de Chico Xavier. Você pode acompanhar as respostas a esta entrada através do feed RSS 2.0. Você pode deixar seu comentário, ou trackback de seu sítio.

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OBS: Esta obra supostamente psicografada por Chico Xavier, é um desserviço a Doutrina Espírita e a História do Brasil. Vou mais além, afirmando que o livro é uma ofensa bastante agressiva à lógica e ao Brasil, retratado no livro como um belo país de OZ, cheio de fábulas, além daquela visão imposta pela ditadura militar, com falsos heróis e distorções de fatos, vistos apenas na ótica dos "vencedores", além de misturados a dogmas típicos da Igreja Católica. Uma gigantesca mancha na carreira do famoso médium, responsável pela popularização da doutrina no Brasil.

Um livro que infelizmente consegue convencer ufanistas (patriotas fanáticos e irracionais) e espiritólicos, impondo, através de muitos erros e fantasias, que o Brasil é um país "privilegiado", do mesmo jeito que os católicos medievais acreditaram na Terra como "centro do universo". Uma bobagem que precisa ser ignorada. Infelizmente o livro é altamente difundido e há muitos sites que o oferecem para download, graças ao prestígio do ingênuo médium.

As circunstâncias que foram escritas o livro são muito estranhas e estimulam muitas perguntas:

- Como é que um livro tido como "serio" contém inúmeros erros de informação?
- Como é que um país, divisão material, pode ser considerado uma "pátria espirtitual"?
- Será que o livro foi realmente ditado por Humberto de Campos?
- Seriam um livro não psicografado?
- E se foi psicografado, teria sido mesmo ditado por Humberto de Campos ou por um espírito que se identificou como tal?
- E se for mesmo Humberto de Campos? Teria ele o nível moral e intelectual necessários para garantir a veracidade das informações?
- E porque um espírito, supostamente evoluído (segundo os seguidores de Chico), capaz de enxergar os fatos delonge, foi ditar um livro tosco com informações baseadas em livros de história da época, altamente ufanistas, preconceituosos e mitificadores?
- Porque Chico permitiu que uma obra dessa fosse lançada, sem analisar?
- O que uma obra dessa vai trazer de positivo à Doutrina Espírita?

São muitas perguntas. Mas apenas uma certeza: esta obra deve ser urgentemente banida da bibliografia espírita, de preferência sem novas publicações, por ser uma obra cheia de absurdos que só prejudicam a compreensão histórica de nosso país.

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